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na Unicamp; professor João Frayze Pereira… Ou seja, todos teóricos bastante consagrados dentro da Psicanálise e que vêm desse departamento.

      No meu caso, havia outra interveniência que é a seguinte: eu comecei a fazer o mestrado quando eu estava no quinto ano da graduação, em função, justamente, de pesquisas nas quais eu trabalhava dentro da Psicologia Experimental no campo da etologia. Bom, quem trabalha com Lacan sabe que um momento chave da obra lacaniana, que é o “Estádio do Espelho”,1 foi pensado a partir dos estudos etológicos dos anos trinta na Europa (da etologia do Lorenz) e a minha ideia era atualizar essa teoria do Estádio do Espelho a partir dos estudos contemporâneos em etologia.

      Então, fiz meu mestrado com essa problemática e depois o doutorado sobre linguagem na psicose da criança, que foi um estudo clínico por um lado, mas sumamente epistemológico por outro, e que depois foi publicado como trabalho, como livro. Eu sei que Brasil afora existe essa tensão entre Psicanálise e Psicologia Experimental, entre Psicanálise e Psicologia Social, mas isso é coisa de província. É contra a ciênciae contra o espírito das luzes. É contra tanto o que pensava Skinner ou Wundt, quanto o que pensava Freud. A questão da discussão de método nos concerne a todos e a Psicanálise faz parte desse debate desde o seu início.

      C. M. R.: Que reflexões você faz acerca da sua própria formação como psicólogo? Você já fez várias, mas tem alguma específica que seja importante?

      C. D.: Olhando de longe, com certo recuo e também com certa variedade, já que dei aula em muitos lugares antes de chegar à USP… Dei aula de Filosofia, por exemplo, em universidades da periferia para alunos das classes populares, universidades de massa com classes de 120 alunos; dei aula em pequenas clínicas, postos avançados na periferia de São Paulo, dei aula fora do Brasil também, em universidades inglesas, francesas, americanas, na Colômbia… E isso permite um recuo, no sentido de dizer como os cursos de Psicologia têm limitações que dizem respeito a sua formação histórica. Por exemplo, eu vim estudar Fenomenologia apenas quando fiz o curso de Filosofia; a minha formação em Psicologia do Trabalho é pífia, para não dizer “nula”; e há muitos autores importantes atrás dos quais tive de correr depois, pois não tive contato com eles na universidade. Em compensação, outros foram apresentados de forma seguida, massiva e, às vezes, até de forma insuportavelmente repetitiva. Nós precisamos começar a apreciar melhor essa variedade entre os diferentes cursos de Psicologia, pois acho que nada é pior que esses cursos genéricos em que você, de fato, não consegue encontrar alguma particularidade, que às vezes está definida pela região, às vezes pelo tipo de professor, pelo tipo de aluno, mas que precisa ser respeitada. Isso precisa ser mais bem pensado.

      C. M. R.: Quando você fala que tem que ser mais bem pensado, você está pensando uma uniformização maior ou em reduzir isso?

      C. D.: Não, em uma redução disso. Num país como o Brasil, a gente pega um estado como São Paulo, por exemplo, que tem tantos cursos de Psicologia nos quais se vê esse processo de “apostilamento”, que serve simplesmente para a universidade repor o professor e trocá-lo por qualquer outro. Isso é criminoso, porque impede que aquela faculdade desenvolva sua tradição, desenvolva seu sentido de pesquisa, sua aposta epistêmica, sua aposta em termos de comunidade. Isso é uma industrialização muito incompatível com o tipo de formação que a gente tem nos cursos de Psicologia. Acho que outras áreas não sofrem tanto com isso, mas nós sofremos.

      C. M. R.: É uma teia de identificação da Psicologia com o Servidor…

      C. D.: Exato. É uma Psicologia pasteurizada, que resulta numa impessoalização na relação professor-aluno, uma relação clientelista no que diz respeito às teorias psicológicas e que vai produzindo (e reproduzindo) preconceitos. Isso tudo facilita a formação de espírito dogmático e não crítico, bem como o aparecimento de uma série de sintomas decorrentes desse processo de, digamos, massificação e de afastamento da experiência (mais ainda fora do Brasil do que no Brasil, eu diria). Os cursos em Psicologia têm diminuído carga de estágio (isto é, de contato com pessoas) e aumentado a leitura de textos básicos, de livros-textos, ignorando a força da experiência da leitura de autores originais e das discussões mais verticais em termos de teorias psicológicas.

      C. M. R.: Você acha que, nesse processo, entra também essa tendência de colocar disciplinas EAD?

      C. D.: É, nós sofremos muito mais com isso do que outros cursos. As disciplinas de ensino a distância são legais para compensar certas dificuldades que são postas pelo tamanho do Brasil, devido à dimensão continental do nosso país. Mas o que vem acontecendo –redução de carga presencial e aumento de carga de ensino a distância– é outro golpe, porque, na nossa formação, a experiência em ato, pessoal e direta com quem nos forma, nos transforma decisivamente. E aí a experiência com o vídeo perde muito, pois ela acaba justamente uniformizando e produzindo experiências de dessingularização e de perda de experiência.

      C. M. R.: Como você avalia a formação universitária em Psicologia na contemporaneidade? E aí eu acrescentaria uma segunda pergunta: como você avalia a experiência de formação em Psicanálise?

      C. D.: Então, pergunta muito pertinente, porque, no Brasil, a Psicanálise é, certamente, uma das formas da Psicologia, se pensarmos nas disciplinas universitárias, mais organizadas. E isso não só porque ela está presente ao longo do tempo, mas porque ela faculta uma coisa decisiva e que é um patrimônio que a gente tem: essa passagem do universo universitário formal, de disciplinas, de curso, para um sistema mais amplo de formação. Nenhum psicanalista se forma tendo aula de ler Freud, Lacan no curso, mas a coisa começa ali e, de certa forma, ela faculta que o aluno saia da sua experiência imediata, da sua atitude de aluno e comece esse processo ético de se tornar um clínico. Minha avaliação é a de que, de certa forma, a Psicanálise é o melhor e o pior que pode sair dessa relação. O pior é que a Psicanálise, de certa maneira, começa a se psicologizar; há certos vícios que vêm da atitude, da formação em Psicologia, e que passam para a Psicanálise, mas, por outro lado, a Psicologia começa, também, a ser mais e mais influenciada por tudo aquilo que a Psicanálise traz de interessante, que é a implicação, o espírito de crítica e a dimensão de formação clínica que ultrapassa aquilo que está sendo dado no curso.

      Se, durante o curso, você consegue produzir esse espírito de formação permanente, a nível de formação ética e, por que não dizer, política no aluno, você garante que ele não vai terminar a faculdade agora e querer aplicar o que aprendeu. Isso deveria ser impedido, não deveria acontecer, porque, de fato, o Brasil tem essa situação diferente em relação à maior parte dos cursos de Psicologia do mundo, os quais não são habilitantes. Ou seja: no exterior, você faz o curso, depois um training, uma especialização ou estágios programados, e só depois você consegue credenciar sua atividade profissional junto ao Estado, representado por uma associação que regula a prática. No Brasil, a gente decidiu que não: o curso habilita. Então, você pode terminar o curso e, simplesmente, passar a praticar alguma forma de Psicologia. E isso está muito equivocado. Se pensamos que é bom a pessoa fazer isso, ela vai parar de estudar, ela vai parar de fazer supervisão, fazer sua terapia ou sua análise pessoal… E isto não é bom.

      Por outro lado, também não é bom que a gente faça esse trabalho de formação apenas como um caminho burocrático, porque o Estado diz que você tem que fazer e, então, você regula a psicoterapia. Essa massa burocrática e administrativa é muito incompatível com o que a gente espera da formação de um psicanalista. Ela tem que articular sua experiência de sofrimento, seus sintomas, seus limites e com o seu fazer de uma forma muito mais extensa do que os cinco anos do curso de Psicologia. É uma espécie de aposta ética, o que a gente tem. Ou conseguimos produzir essa lucidez ou facultamos que, de fato, a sociedade acolha muitos psicólogos malformados, com uma pequena consciência da complexidade do seu fazer.

      C. M. R.: O que tem a ver com uma herança do tecnicismo também.

      C. D.: Exatamente.

      C. M. R.: A Psicologia foi influenciada por essa questão dos elementos tecnicistas…

      C. D.: Exato, essa questão de você formar pessoas

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