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séria, ao receber aquele pedaço de sabedoria não solicitada. Desato a fita de seda azul dos postais e dou-lha.

      — Anda muito devagar amanhã quando fores para o colégio, está bem?

      Afasto-me do alpendre e volto para o meu carro de aluguer, que estacionei ao virar da esquina. Quando chego ao lugar, demoro um minuto a perceber que o Impala desapareceu. Roubaram-mo. Atravesso a rua para a paragem de autocarro próxima. As pessoas que lá estão não se incomodam em arranjar-me espaço. Ficam ali, com os olhos vazios, sabendo perfeitamente que o meu carro desapareceu à frente delas, mas ninguém está disposto a falar disso. Mais um facto do dia a dia. Não tem nada de especial.

      11

      Brazuca observa do seu carro enquanto uma efígie frágil de Sebastian Crow percorre lentamente o parque com a Whisper aos seus pés. São quase dez da noite e são as únicas figuras à vista. Crow para num banco, apoia uma mão nas costas para se segurar e tosse contra a manga do seu casaco durante vários segundos. Depois, limpa a boca com o dorso da mão e regressam à casa que é do outro lado da rua.

      Brazuca sente uma fúria inexplicável por Nora por o ter arrastado até ali. Não havia um passeador de cães? Devia ter passado a tarefa a Warsame que, como se tivesse tido um pressentimento, voltara a desaparecer, perdido em alguma missão. Crow demora um minuto inteiro a subir os degraus para a entrada da sua casa. A Whisper espera pacientemente até chegar ao patamar e, depois, sobe com ele.

      Fica com a imagem de Crow apoiado no banco, dorido. Não consegue livrar-se dela até quase uma hora mais tarde, de pé à frente do restaurante exclusivo de Gastown que Priya tinha mencionado, a traficante de Clementine.

      — Vais entrar ou quê? — pergunta uma mulher atrás dele. Veste-se como uma dançarina de cabaré, com caracóis enormes e uns sapatos de salto tão altos que tem os pés quase num ângulo de noventa graus.

      Brazuca desvia-se para a deixar passar.

      — Desculpe. — Mas ela nem sequer olha para ele ou demonstra tê-lo ouvido.

      Dirige-se para o café vegan aberto vinte e quatro horas que há do outro lado da rua e senta-se numa mesa junto da janela com vista para a entrada e as janelas do Lala Lair.

      Enquanto come algo chamado salada de sementes super power, mantém o olhar fixo na janela. Passada a meia-noite, um homem indonésio magro com calças feitas à medida e uma camisola de gola alta sai do Lala Lair. Tendo cuidado para se manter afastado da câmara que montaram por cima da entrada, acende um cigarro e faz uma chamada telefónica. Nas duas últimas noites, Brazuca viu aquele homem a fazer exatamente o mesmo. Ontem, no entanto, pediu um hambúrguer de quinoa em vez da salada super power e o estômago ainda não lhe perdoou.

      Uma mulher com um vestido azul justo e uma mala brilhante senta-se à frente dele.

      — Olá — cumprimenta, enquanto a parte da frente do vestido sobe.

      Brazuca pestaneja. Demora uns segundos a reconhecer a irmã de Clementine.

      — Grace, o que estás a fazer aqui?

      — Oh, vim ao Lala Lair todas as noites desta semana. É um nome engraçado, não te parece? Lala Lair. Lalalair. Tenta dizê-lo três vezes seguidas. Gostas do meu vestido?

      O vestido em questão é muito justo exceto na parte de cima e foi desenhado para alguém com seios grandes.

      — Não é mau.

      — Mentiroso. É horrível. Está sempre a cair, faça o que fizer. É da minha irmã — explica. Olha para baixo. — A mala também. Acho que vou ficar com ela. Enfim, o que estava a dizer? Ah, sim, a minha irmã. Tinha as mamas operadas, portanto, provavelmente não tinha de se preocupar com encher o vestido.

      — Não devias estar ali — replica, apontando com a cabeça para o bar exclusivo do outro lado da rua.

      — Bom e o que ia fazer? Ouvi-te a falar com essa ordinária no elevador. Sim, estava a ouvir atrás da porta. O que ia fazer? Ignorar a traficante? Mencionou o Lala Lair e supus que teria alguma coisa a ver com a Cecily. O que descobriste? E o que fazes neste café hippie em vez de estares do outro lado da rua?

      — Um homem tem de comer — declara, num tom neutro. Grace não precisa de saber que já esteve lá, já farejou e tirou toda a informação possível sem chamar a atenção.

      Entreolham-se. Por baixo das camadas de maquilhagem chamativa, aplicada sem muita experiência, Grace mostra uma expressão séria. Tira uma memória USB da mala e dá-lha.

      — Tenho um amigo que trabalha em criminologia na Universidade de British Columbia que está a investigar os traficantes de droga para a sua tese. Deu-me material sobre a Wild Ten.

      — Não lhe chames assim. Estás a idealizá-la.

      — É o nome que recebe na rua — insiste. — O meu amigo diz que é relativamente nova, mas está a ficar na moda. Há uns laboratórios de drogas clandestinos na China que fabricam fentanil para contrabando. Também manipulam a estrutura química da droga e criam novas versões. Como a Wild Ten. É muito difícil regulá-lo.

      Brazuca devolve-lhe a USB.

      — Grace…

      — Quero tanto saber o que aconteceu à minha irmã como tu. E não me pagam — comenta, sem saber que, com sarcasmos como aquele, ele é praticamente impenetrável. Todos têm de ganhar a vida. Nem todos podem ser urbanistas.

      A empregada aproxima-se com a conta e Brazuca paga em dinheiro. Quando se vai embora, lança um olhar severo a Grace.

      — Já sabes o que aconteceu à tua irmã. Tomou uma overdose e morreu. Fim da história. Não devias estar aqui nem do outro lado da rua. Vai para casa, Grace.

      — Não me digas onde devia estar — murmura ela.

      — Falo a sério. Não tens aulas ou uma coisa dessas?

      — Fomos para a cama juntos, imbecil. Não podes falar comigo assim. Sou uma mulher adulta. Posso estar onde quiser. — Levanta-se da cadeira com torpor, põe a mala ao ombro e pragueja quando a alça se prende no cabelo. — Foda-se! — exclama, enquanto se dirige para a casa de banho para tentar desprendê-la.

      Assim que desaparece, Brazuca abandona o café e atravessa a rua. Com o capuz posto, dirige-se para o beco, permitindo que o coxear o desequilibre. Apoia uma mão na parede de tijolo do beco de trás do Lala Lair e pragueja quando o fecho se prende e tenta soltá-lo.

      Um BMW elegante para no beco e apanha um cliente que acaba de sair pela porta traseira do bar. Toca a buzina para que se afaste. Ele levanta um braço automaticamente para proteger a cara do brilho dos faróis e mostra o dedo ao condutor.

      A janela do passageiro abre-se e o homem da camisola de gola alta tenta reparar bem em Brazuca, que tem a cara parcialmente coberta pelo capuz.

      — Mexa-se.

      — Sim, sim, um segundo, homem. — A voz de Brazuca sai rouca, o mais neutra possível. Afasta-se da parede e dirige-se para a rua, onde se esconde imediatamente entre as sombras de uma porta. Quando o carro entra na estrada, iluminado por uma luz do beco, vê-se a matrícula com clareza. Tira-lhe uma fotografia com o telemóvel. — Já te tenho — murmura, embora não haja ninguém ali para o ouvir.

      Faz uma chamada para o mesmo número para o qual envia a fotografia. A voz que atende o telefone parece confusa e incomodada.

      — Mas que merda? — murmura o detetive Christopher Lee, do Departamento da Polícia de Vancouver. — Sabes que alguns de nós têm trabalhos a sério para onde temos de ir de manhã?

      — Também adoro ouvir a tua voz, querido. Preciso de um favor. Deves-mo.

      — Deste-me uma dica em todo o tempo que passaste fora da polícia. Uma.

      — Às vezes, só precisas de uma. Enviei-te uma matrícula. O motorista veio buscar

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