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de culpa».

      Ivo endireitou os seus largos ombros. De repente, deu-se conta do que o avô queria realmente: criar aquela criança por ser parte de Bruno.

      – Obtiveste esta informação por tua conta ou é do domínio público?

      O avô, em jeito de resposta, encolheu os ombros e olhou para ele com ressentimento.

      Ivo não insistiu. Não o preocupavam os limites que Salvatore cruzava alegremente. O facto era que, à margem da culpa que sentisse e decidido a compensar a sua rejeição ao seu irmão, identificava-se com as motivações do avô.

      E não sentia necessidade de se desculpar por isso. Orgulhava-se de ser italiano, da cultura e da língua do seu país, tal como Bruno. Pensar que o filho de Bruno pudesse ser privado disso era incentivo suficiente para ultrapassar certos limites. A lealdade que devia ao seu apelido era inquestionável, algo profundo, por isso o tinha magoado tanto o abandono do seu irmão. Bruno tinha recusado o que lhes tinham ensinado a respeitar.

      Mas não o tinha recusado a ele, Bruno tinha voltado para levá-lo.

      E agora devia saldar a dívida com o seu irmão, estava decidido a fazê-lo. Criar o seu sobrinho devidamente seria, verdadeiramente, isentar-se.

      O avô, aparentemente recuperado, declarou:

      – Temos de encontrar uma maneira de a pressionar, mas não tem feito nada.

      – Referes-te a nada que se possa utilizar contra ela?

      – Corre o rumor de que teve relações com um futebolista, mas o futebolista não era casado na altura.

      – Nesse caso, que queres que faça? Que rapte o menino?

      Se o seu avô lhe tivesse respondido afirmativamente à pergunta não teria ficado tão perplexo como com a resposta que Salvatore lhe deu.

      – Quero que te cases com essa mulher e que tragas o menino para aqui. Os advogados dizem que isso te dará direitos. Conseguir a custódia do menino será simples depois do divórcio.

      Ivo lançou uma gargalhada feita de pura incredulidade. Quando tinha sido a última vez que se rira à frente do avô? Sem saber porquê, evocou mentalmente o riso do irmão. Ao partir, Bruno tinha levado também os risos daquela casa.

      – Já acabaste? – perguntou Salvatore quando o silêncio voltou a reinar na sala.

      – Parece que já pensaste muito neste assunto.

      – Vais dizer-me que não conseguirias fazer com que se apaixonasse por ti, se quisesses?

      – Obrigado pela confiança que tens em mim – disse Ivo com ironia ao mesmo tempo que se punha em pé. Então, pôs as mãos na secretária e acrescentou, pronunciando lentamente cada palavra: – Não quero fazer isso.

      Tinha chegado à porta quando o seu avô declarou nas suas costas:

      – Estou a morrer e quero que tragas o menino para aqui. Queres que o filho do teu irmão seja criado com uma desconhecida e que não aprenda o seu idioma, que não desfrute das vantagens que o seu apelido lhe dará? És assim tão egoísta?

      Ivo voltou-se muito devagar e cravou os olhos no enrugado rosto do avô. Sim, via-o envelhecido.

      – Isso é verdade?

      – Achas que diria algo assim se não fosse verdade?

      – Sim – respondeu Ivo sem vacilar.

      Salvatore lançou uma gargalhada e pareceu satisfeito. Evidentemente, sentia-se lisonjeado.

      – Quero manter alguma dignidade no que é um processo lamentável. Não vou aborrecer-te com os detalhes desagradáveis, mas estou a morrer e quero ver o menino. Fazes-me esse favor?

      Ivo soltou devagar o ar que tinha estado a conter nos pulmões.

      – Não posso prometer-te nada – respondeu Ivo fazendo uma promessa a si mesmo: não ia deixar o menino nas mãos de Salvatore, mas levaria para ali o sobrinho e iria protegê-lo, continuamente, da influência tóxica do avô, tal como Bruno o tinha protegido a ele.

      O avô sorriu.

      – Sabia que não me dececionarias, Bruno.

      Capítulo 2

      Flora ficou imóvel quando, ao descer as escadas em bicos de pés, fez ranger um dos degraus. Durante uns segundos, conteve a respiração, e, ao não ouvir o bebé chorar, suspirou aliviada.

      A mãe tinha-lhe dito que estavam a sair os dentes ao bebé. E também lhe tinha dito que Jamie era um bebé muito fácil de criar.

      Mas depois das últimas semanas que tinha passado, Flora achava que os bebés fáceis de criar eram personagens de ficção, como as fadas ou os unicórnios.

      Flora mal se lembrava do que era dormir uma noite inteira. Agora tinha saudades daqueles dias em que passar uma noite má significava dar voltas na cama durante meia hora antes de adormecer.

      Os seus olhos azuis encheram-se de lágrimas ao pensar em Sami, a sua querida irmã. A sua mente conjurou a imagem sorridente de Sami e, entre a dor e o sentimento de perda, sentiu frio.

      Tremeu e envolveu-se bem com o casaco que tinha posto em cima da camisola. À margem da situação familiar, estava orgulhosa do seu primeiro projeto depois de conseguir o diploma de arquiteta. Tinha tratado da recuperação da casa de pedra em ruínas da sua irmã e do seu cunhado, convertendo-a num hotel e restaurante tal como eles desejavam. E apresentara o projeto a um prestigiado concurso. Embora não tivesse conquistado nenhum prémio, o seu trabalho tinha tido direito a uma menção honrosa.

      O sistema de aquecimento e o isolamento tinham sido aspetos fundamentais no projeto e, normalmente, a casa estava aquecida. O sistema de aquecimento era extremamente eficiente, os janelões eram de triplo vidro e o telhado estava coberto com placas solares; no entanto, naquela noite estava frio dentro da casa.

      Ao passar por um dos aquecedores, deu-se conta de que, em vez de estar quente, o metal estava completamente frio.

      Conteve um rosnado ao pensar que tinha recusado o arranjo da caldeira só para poupar dinheiro.

      Permitiu-se o luxo de derramar umas lágrimas antes de endireitar os delicados ombros e aconselhar-se em silêncio: «Bom, Flora, para de lamentar-te e liga ao tipo do gás amanhã. E deixa de queixar-te».

      Pensou ir à pequena sala de estar privada, um anexo da casa original, em madeira de carvalho e vidro, com vistas incríveis para o braço de mar e para o continente, mas desistiu da ideia porque não tinha acendido a salamandra antes e, como o aquecimento geral não estava a funcionar e a sala era toda em vidro, ainda faria mais frio ali do que na casa principal.

      Talvez o melhor fosse agarrar uma bolsa de água quente, depois de deixar ligados uns aquecedores elétricos no quarto do menino, e meter-se na cama. Eram só oito e meia, mas, tendo em conta o pouco que conseguia dormir ultimamente, era o melhor plano.

      Em primeiro lugar, poria o aquecedor no quarto de Jamie; depois, encheria a bolsa com água quente. Calçada com umas meias grossos de lã, caminhou silenciosamente pelo chão de pedra da zona que servia de receção e salão, e onde havia um bar informal, enquanto a tempestade rugia no exterior.

      Enquanto ia caminhando, foi apagando luzes; pelo menos, continuavam a ter eletricidade. Tirou o telemóvel do bolso das apertadas calças de ganga e lançou um suspiro ao ver que continuava sem rede desde o meio-dia. A tempestade também tinha cortado a linha de telefone fixo e estava preocupada por não poder contactar a mãe.

      Em circunstâncias normais, não se preocuparia por não poder ligar-lhe; em circunstâncias normais, a sua mãe estaria ali a ajudar e a cuidar de Jamie enquanto geria o seu negócio de cerâmica. Grace Henderson conseguia fazer muitas coisas simultaneamente, algo que ela invejava.

      Mas a sua situação atual estava longe de ser normal. A sua mãe,

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