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morena dissipou-se. Abanou a cabeça como se estivesse a acordar de um sonho.

      – O Bruno contatou-me há dezoito meses. Queria que nos víssemos – declarou Ivo com o olhar perdido, pelo que não viu a sombra de fúria que cruzou a expressão do avô.

      – Encontraram-se?

      Ivo virou a cabeça. Se realmente tivesse deixado de gostar do irmão, sentiria tanta dor como a que sentia naquele momento?

      Ivo respirou fundo e endireitou os ombros. Toda a gente devia assumir a sua responsabilidade sobre os seus próprios atos.

      – Não, não nos encontrámos.

      Uma decisão de que, a partir de agora, talvez se arrependesse por toda a vida. O irmão tinha querido uma reconciliação, mas ele recusara. Porquê? Por que não lhe tinha perdoado, por que tinha querido castigar Bruno?

      Sentiu desprezo por si mesmo, culpa e arrependimento.

      – Pensava que tinha parado de tentá-lo – comentou Salvatore como se falasse consigo mesmo.

      – Parado de tentá-lo?

      – O Bruno manteve-se à distância depois de eu ter conseguido a ordem judicial, mas continuou a enviar cartas até… Enfim, no final teve de dar-se por vencido – Salvatore franziu o sobrolho. – Quando foi isso…? Bom, é indiferente, teve de cessar quando os advogados o contataram e lhe comunicaram que eu vos deserdaria a ambos e que isso seria culpa dele.

      Levando uma mão à cabeça, Ivo procurou assimilar o que acabava de ouvir.

      – Queres dizer que o Bruno tentou vir buscar-me?

      Salvatore soprou.

      – Queria a tua custódia. Consegues acreditar?

      Bruno não tinha mentido, Bruno não o tinha abandonado.

      – O Bruno voltou.

      Salvatore estalou os dedos com impaciência.

      – Nenhum tribunal lhe teria dado a tua custódia tendo em conta o seu antecedente penal.

      – Um antecedente penal?

      – Suponho que não sabes, mas o teu irmão, quando estava no colégio, juntou-se a más companhias e apanharam-no com uma pequena quantidade de… Foi fácil de solucionar, mas ficou no cadastro.

      – Drogas? O Bruno? – Ivo não sabia nada daquilo. Que mais lhe tinham escondido durante todos aqueles anos para o proteger?

      Ele tinha renegado o irmão apesar de Bruno não se ter esquecido dele! A descoberta deixou-lhe um mau travo na boca.

      Mal tinha começado a assimilar tudo o que o avô lhe tinha dito quando este voltou a surpreendê-lo.

      – O bebé…

      – Qual bebé?

      – O teu irmão tinha um filho, um menino, chama-se… bom, o nome que lhe puseram não tem importância. Mas esse é o motivo pelo qual quero que vás à Escócia, à ilha de Skye, embora suponha que saibas onde vivia o teu irmão; provavelmente, numa cabana perdida, sem eletricidade nem água corrente. A questão é que quero que vás buscar o menino. O seu lugar é aqui, connosco. Ainda que o seu pai fosse um idiota e a sua mãe… Enfim, o menino é um Greco.

      – Como…? – Ivo baixou as pálpebras e engoliu em seco para aliviar o nó que sentia na garganta. – Como morreram?

      – Estavam a escalar e tiveram um acidente; aparentemente, estavam os dois pendurados a uma corda e esta rompeu-se. Uma testemunha diz que ouviu o teu irmão gritar para que a sua mulher cortasse a corda, mas ela não o fez… – pela primeira vez, Ivo imaginou ouvir emoção na voz do avô.

      – O Bruno adorava as montanhas – disse Ivo com voz suave.

      – Sim, e olha como acabou! – exclamou o avô com amargura. – Se não lhe tivesse dado para escalar não teria conhecido essa rapariga… Uma ceramista que vivia numa gruta.

      Algo exagerado. Porém, Samantha estava muito longe de ser uma dessas mulheres modelo da grande sociedade com as quais o seu irmão costumava sair antes.

      «Amor à primeira vista», tinha dito Bruno.

      Como se tivesse sido inevitável! Ivo não tinha acreditado que fosse possível e continuava sem acreditar. Era a desculpa de um homem fraco, um homem que ele estava decidido a não ser.

      Era uma questão de escolha.

      De repente, a convicção desse mantra que há anos repetia para si mesmo diminuiu.

      – Falei com os advogados, mas informaram-me de que não há forma de anular o testamento.

      – Deixou um testamento? Que diz?

      – Isso é irrelevante.

      Ivo não concordava, mas não disse nada. Estava a pensar no filho de Bruno, o menino que ele não iria abandonar. Tinha virado as costas ao irmão, mas não faria o mesmo ao sobrinho.

      – Eram muito jovens, demasiado jovens para morrer. E essa mulher, a irmã, com o apelido Henderson…

       Ivo não sabia que Samantha tinha uma irmã.

      – Qual é o nome próprio dela?

      – Não sei, tem um nome escocês… Fiona… Ah, não, Flora, creio.

      – E tem a custódia do menino?

      Ivo aferrou-se à ideia de que Bruno tinha um filho. Assim, talvez conseguisse ultrapassar o sentimento de culpa que o corroía. Ou seja, devia concentrar-se no menino, não na culpa. Mas… «Não se trata de ti, Ivo, mas do teu sobrinho», lembrou-se a si mesmo esboçando um meio sorriso sem sinal de humor.

      O avô, de repente, deu um murro na secretária.

      – É ridículo. Essa mulher não tem nada! – exclamou Salvatore com desdém.

      – Se queres fazer parte da vida do menino, talvez devas aprender a pronunciar o nome dela – sugeriu Ivo.

      – O que não quero é que ela faça parte da vida do menino. Essa família é culpada por eu ter perdido o meu neto.

      Era o ponto de vista do avô e a forma de ver as coisas que lhe tinham inculcado. E, por enquanto, não via motivo para considerar a situação de outra maneira.

      – Diz-me, isso não se vai repercutir no meu trabalho, avô? Talvez devesses ser mais realista e aceitar a situação.

      Salvatore semicerrou os olhos.

      – Foi isso que aprendeste comigo? Aceitar as situações? – atirou Salvatore. – Fiz-lhe uma oferta mais do que generosa! Mas recusou-a.

      – Ofereceste-lhe dinheiro em troca da custódia do menino? – o seu avô parecia ter perdido a subtileza e a sagacidade que o caracterizavam. – E surpreende-te que recusasse?

      – Sei perfeitamente porque o fez. É estéril, não pode ter filhos, por isso agarra-se ao menino – declarou Salvatore sombriamente. – A carta que me enviou, muito sentimental, a convidar-me a ir ver o rapazito… Não quero que essa família tenha nada a ver com a criança! Têm conseguido privar-me…

      A voz do idoso tremeu e os seus olhos pareceram ficar aguados. De sofrimento ou de ira?

      Ou só pelo facto de que alguém tinha tido a temeridade de o contrariar?

      Em qualquer caso, o idoso engoliu em seco e voltou o rosto. A sua repentina vulnerabilidade era evidente, em contraste com a força de uns anos atrás, muito diferente do momento em que teve de tirar do quarto um pequeno Ivo que tentava fazer o seu pai viver metendo-lhe comprimidos na boca. Precisamente os mesmos comprimidos que ele tinha tomado para se suicidar, pensando que eram medicamentos que o curariam, sem compreender que o seu pai tinha morrido de uma overdose desses comprimidos.

      Salvatore queria agora resgatar outro menino, tal como tinha feito com ele. Para

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