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acompanhou, todavia, a solução consistente em tratar o acórdão das secções cíveis reunidas, proferido em julgamento ampliado do recurso de revista, como «assento», optando-se antes pela revogação de tal instituto típico e exclusivo do nosso ordenamento jurídico.

      Na verdade, como se refere no citado Acórdão n.º 810/93 do Tribunal Constitucional, sempre seria condição indispensável à não caracterização do assento como acto normativo de interpretação e integração autêntica da lei o não ter a doutrina por ele fixada força vinculativa geral e estar sujeita «em princípio à contradita das partes e à modificação pelo próprio tribunal dela emitente».

      Deste modo, para além de a doutrina do assento não poder vincular tribunais situados fora da ordem dos tribunais judiciais, não bastaria, para operar a «constitucionalização» do instituto dos assentos, prever a possibilidade de o próprio Supremo Tribunal de Justiça, em recursos que ulteriormente perante si decorressem, «revogar» o assento anteriormente emitido, sendo indispensável garantir às próprias partes, em qualquer instância, a possibilidade de impugnarem ou contraditarem a doutrina que nele fez vencimento.

      Quebrada pela jurisprudência constitucional a força vinculativa genérica dos assentos e imposto o princípio da sua ampla revisibilidade – não apenas por iniciativa do próprio Supremo, no âmbito dos recursos perante ele pendentes, mas a requerimento de qualquer das partes, em qualquer estado da causa —, pareceu desnecessária a instituição dos necessariamente complexos mecanismos processuais que facultassem a revisão do decidido, por se afigurar que a normal autoridade e força persuasiva de decisão do Supremo Tribunal de Justiça, obtida no julgamento ampliado de revista – e equivalente, na prática, à conferida aos actuais acórdãos das secções reunidas —, será perfeitamente suficiente para assegurar, em termos satisfatórios, a desejável unidade da jurisprudência, sem produzir o enquistamento ou cristalização das posições tomadas pelo Supremo.

      É geralmente reconhecida a imperiosa necessidade de proceder a uma reformulação substancial do processo executivo que nos rege, com vista a conferir-lhe a eficácia que a realização prática dos direitos já reconhecidos exige, sendo efectivamente numerosos os escolhos que obstam ou dificultam seriamente a que o titular de um direito, mesmo que judicialmente reconhecido, consiga, com brevidade e eficácia, realizá-lo coercivamente.

      Importa, desde já, reconhecer que as dificuldades inerentes a uma profunda reforma do processo executivo sobrelevam, em muito, as que respeitam à revisão do processo comum de declaração, já que, à concepção essencialmente «declarativista» da nossa doutrina processualista, há que aditar a circunstância de ser notório um menor amadurecimento do debate acerca das possíveis soluções legais a implementar.

      Optou-se, no articulado que ora se apresenta, por manter o figurino essencial da acção executiva e singular que presentemente nos rege: execução movida apenas por determinado credor, visando a satisfação do seu crédito, com intervenção limitada aos restantes credores com garantia real – a qual é ditada pelo regime estatuído no artigo 824.º, n.º 2, do Código Civil, segundo o qual os bens penhorados são vendidos livres dos direitos reais de garantia que proventura os onerarem, os quais caducam no momento da venda – ou aos credores comuns que hajam logrado obter outra penhora sobre os mesmos bens, nos termos decorrentes do preceituado no artigo 871.º do Código de Processo Civil.

      Não se ignoram as críticas que alguma doutrina, partindo de uma perspectiva de justiça substancial no tratamento igualitário dos credores, vem formulando ao sistema vigente, que efectivamente pode propiciar a quebra da par conditio creditorum, beneficiando o credor que, muitas vezes por motivos perfeitamente aleatórios, conseguiu obter uma penhora prioritária no tempo.

      Foram, porém, tidas em conta duas razões decisivas para não modificar substancialmente o regime vigente, quanto a este ponto. Assim, por um lado, o receio de que o retorno a uma execução de cariz tendencialmente universal, em que fosse amplamente admitida a intervenção de quaisquer credores comuns, concorrendo com o exequente, pudesse acabar por paralisar totalmente o andamento das execuções, transformando qualquer acção executiva em verdadeiro processo «quase-falimentar».

      Por outro lado, considerou-se que a modificação do regime vigente envolveria uma drástica e radical alteração da fisionomia e estrutura do processo executivo, a guardar eventualmente para o momento da elaboração de um Código totalmente novo, revelando-se dificilmente compatível com a opção tomada de apenas proceder por ora a uma reformulação, embora razoavelmente profunda e substancial, do Código que nos rege.

      Passando a enunciar as modificações que se consideram mais relevantes – e começando pelas que se reportam às disposições gerais sobre a acção executiva —, cumpre referir que se optou pela ampliação significativa do elenco dos títulos executivos, conferindo-se força executiva aos documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações precuniárias, cujo montante seja determinável em face do título, da obrigação de entrega de quaisquer coisas móveis ou de prestação de facto determinado. E conferiu-se eficácia suspensiva aos embargos de executado quando, fundando-se a execução em escrito particular com assinatura não reconhecida, o embargante alegar a não autenticidade da assinatura.

      Supõe-se que este regime – que se adita ao processo de injunção já em vigor – irá contribuir significativamente para a diminuição do número das acções declaratórias de condenação propostas, evitando-se a desnecessária propositura de acções tendentes a reconhecer um direito do credor sobre o qual não recai verdadeira controvérsia, visando apenas facultar ao autor o, até agora, indispensável título executivo judicial.

      Ampliam-se as circunstâncias em que os documentos autênticos ou autenticados podem servir de títulos executivos, quando neles se convencionam obrigações futuras.

      Ampliaram-se as hipóteses em que é permitida quer a cumulação de execuções quer a coligação de exequentes ou executados.

      Assim – e como decorrência do reconhecimento da figura do litisconsórcio no processo executivo – consagra-se a possibilidade de cumulação de execuções ou de coligação de partes quando forem os mesmos o grupo credor ou o grupo devedor, pondo termo às dúvidas surgidas sobre tal matéria perante o direito vigente, e, no mesmo sentido, considera-se que só deve constituir impedimento à cumulação a preterição das regras de competência absoluta, não obstando à cumulação objectiva ou subjectiva a derrogação das regras de competência relativa.

      No que concerne ao complexo e controverso problema da definição da legitimidade das partes na acção executiva, quando o objecto desta seja uma dívida provida de garantia real, procurou tomar-se posição clara sobre a questão da legitimação do terceiro, possuidor ou proprietário dos bens onerados com tal garantia. Assim, concede-se tanto a um como a outro legitimidade passiva para a execução, quando o exequente pretenda efectivar tal garantia, incidente sobre bens pertencentes ou na posse de terceiro, sem, todavia, se impor o litisconsórcio necessário, quer entre estes – proprietário e possuidor dos bens – quer com o devedor.

      Considera-se, na verdade, que cumpre ao exequente avaliar, em termos concretos e pragmáticos, quais as vantagens e inconvenientes que emergem de efectivar o seu direito no confronto de todos aqueles interessados passivos, ou de apenas algum ou alguns deles, bem sabendo que se poderá confrontar com a possível dedução de embargos de terceiro por parte do possuidor que não haja curado de demandar.

      Quanto à definição das formas do processo de execução – para além da manutenção das distinções que derivam do fim com ela prosseguido —, operou-se uma fundamental diferenciação entre a execução de sentença, por um lado, e a execução de qualquer outro título executivo ou de decisão judicial condenatória que careça de ser liquidada em plena fase executiva, por outro, e reservando-se para a primeira – qualquer que seja a dilação temporal entre a data em que foi proferida a sentença e o momento da instauração da execução – o figurino da actual execução sumaríssima, traduzido na desnecessidade de citação inicial do executado, com imediata realização da penhora e concentração, em momento ulterior a esta, da reacção à admissibilidade, quer

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