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as perguntas como as considerações, impudentes e irritantes; queria fugir à conversa, mas voltavam ao mesmo assunto, não só Ricardo, mas a velha Adelaide, mais loquaz e curiosa que comumente. Esse suplício que se repetia em todas as visitas, quase a fazia arrepender-se de ter aceitado o pedido. Por fim, achou um subterfúgio, perguntando:

      — Como vai o general?

      — Não o tenho visto, mas a filha sempre vem aqui. Ele deve andar bem, a Ismênia é que anda triste, desolada - coitadinha!

      Dona Adelaide contou então o drama que agitava a pequenina alma da filha do general. Cavalcânti, aquele Jacó de cinco anos, embarcara para o interior, há três ou quatro meses, e não mandara nem uma carta nem um cartão. A menina tinha aquilo como um rompimento; e ela, tão incapaz de um sentimento mais profundo, de uma aplicação mais séria de energia mental e física, sentia-o muito, como coisa irremediável que absorvia toda a sua atenção.

      Para Ismênia, era como se todos os rapazes casadoiros tivessem deixado de existir. Arranjar outro era problema insolúvel, era trabalho acima de suas forças. Coisa difícil! Namorar, escrever cartinhas, fazer acenos, dançar, ir a passeios - ela não podia mais com isso. Decididamente, estava condenada a não se casar, a ser tia, a suportar durante toda a existência esse estado de solteira que a apavorava. Quase não se lembrava das feições do noivo, dos seus olhos esgazeados, do seu nariz duro e fortemente ósseo; independente da memória dele, vinha-lhe sempre à consciência, quando, de manhã, o estafeta não lhe entregava carta, essa outra idéia: não casar. Era um castigo... A Quinota ia casar-se, o Genelício já estava tratando dos papéis; e ela que esperara tanto, e fora a primeira a noivar-se, ia ficar maldita, rebaixada diante de todas. Parecia até que ambos estavam contentes com aquela fuga inexplicável de Cavalcânti. Como eles se riam durante o carnaval! Como eles atiraram aos seus olhos aquela viuvez prematura, durante os folguedos carnavalescos! Punham tanta fúria no jogo de confetes e bisnagas, de modo a deixar bem claro a felicidade de ambos, aquela marcha gloriosa e invejada para o casamento, em face do seu abandono.

      Ela disfarçava bem a impressão da alegria deles que lhe parecia indecente e hostil; mas o escárnio da irmã que lhe dizia constantemente: "Brinca, Ismênia! Ele está longe, vai aproveitando" - metia-lhe raiva, a raiva terrível de gente fraca, que corrói interiormente, por não poder arrebentar de qualquer forma.

      Então, para espantar os maus pensamentos, ela se punha a olhar o aspecto pueril da rua, marchetada de papeluchos multicores, e as serpentinas irisadas pendentes nas sacadas, mas o que fazia bem à sua natureza pobre, comprimida, eram os cordões, aquele ruído de atabaques, e adufes, de tambores e pratos. Mergulhando nessa barulheira, o seu pensamento repousava e como que a idéia que a perseguia desde tanto tempo ficava impedida de lhe entrar na cabeça.

      De resto, aqueles vestuários extravagantes de índios, aqueles adornos de uma mitologia francamente selvagem, jacarés, cobras, jabutis, vivos, bem vivos, traziam à pobreza de sua imaginação imagens risonhas de rios claros, florestas imensas, lugares de sossego e pureza que a reconfortavam.

      Também aquelas cantigas gritadas, berradas, num ritmo duro e de uma grande indigência melódica, vinham como reprimir a mágoa que ia nela, abafada, comprimida, contida, que pedia uma explosão de gritos, mas para o que não lhe sobrava força bastante e suficiente.

      O noivo partira um mês antes do carnaval e depois do grande festejo carioca a sua tortura foi maior. Sem hábito de leitura e de conversa, sem atividade doméstica qualquer, ela passava os dias deitada, sentada, a girar em torno de um mesmo pensamento: não casar. Era-lhe doce chorar.

      Nas horas da entrega da correspondência, tinha ainda uma alegre esperança. Talvez? Mas a carta não vinha, e, voltava ao seu pensamento: não casar.

      Dona Adelaide, acabando de contar o desastre da triste Ismênia, comentou:

      — Merecia um castigo isso, não acham?

      Coleoni interveio com brandura e boa vontade:

      — Não há razão para desesperar. Há muita gente que tem preguiça de escrever...

      — Qual! fez Dona Adelaide. Há três meses, Senhor Vicente!

      — Não volta, disse Ricardo sentenciosamente.

      — E ela ainda o espera, Dona Adelaide? perguntou Olga.

      — Não sei, minha filha. Ninguém entende essa moça. Fala pouco, se fala diz meias palavras... É mesmo uma natureza que parece sem sangue nem nervos. Sente-se a sua tristeza, mas não fala.

      — É orgulho? perguntou ainda Olga.

      — Não, não... Se fosse orgulho, ela não se referia de vez em quando ao noivo. É antes moleza, preguiça... Parece que ela tem medo de falar para que as coisas não venham a acontecer.

      — E os pais que dizem a isso? indagou Coleoni.

      — Não sei bem. Mas pelo que pude perceber, o incômodo do general não é grande e Dona Maricota julga que ela deve arranjar "outro".

      — Era o melhor, disse Ricardo.

      — Eu creio que ela não tem mais prática, disse sorrindo Dona Adelaide. Levou tanto tempo noiva...

      E a conversa já tinha virado para outros assuntos, quando a Ismênia veio fazer a sua visita diária à irmã de Quaresma.

      Cumprimentou todos e todos sentiram que ela penava. O sofrimento dava-lhe mais atividade à fisionomia.

      As pálpebras estavam roxas e até os seus pequenos olhos pardos tinham mais brilho e expansão. Indagou da saúde de Quaresma e depois calaram-se um instante. Por fim Dona Adelaide lhe perguntou:

      — Recebeste carta, Ismênia?

      — Ainda não, respondeu ela, com grande economia de voz.

      Ricardo moveu-se na cadeira. Batendo com o braço num dunquerque, veio atirar ao chão uma figurinha de biscuit, que se esfacelou em inúmeros fragmentos, quase sem ruído.

      Segunda Parte

      Capítulo I: No "sossego"

      Não era feio o lugar, mas não era belo. Tinha, entretanto, o aspecto tranqüilo e satisfeito de quem se julga bem com a sua sorte.

      A casa erguia-se sobre um socalco, uma espécie de degrau, formando a subida para a maior altura de uma pequena colina que lhe corria nos fundos. Em frente, por entre os bambus da cerca, olhava uma planície a morrer nas montanhas que se viam ao longe; um regato de águas paradas e sujas cortava-a paralelamente à testada da casa; mais adiante, o trem passava vincando a planície com a fita clara de sua linha capinada; um carreiro, com casas, de um e de outro lado, saia da esquerda e ia ter à estação, atravessando o regato e serpeando pelo plano. A habitação de Quaresma tinha assim um amplo horizonte, olhando para o levante, a "noruega", e era também risonha e graciosa nos seus muros caiados. Edificada com a desoladora indigência arquitetônica das nossas casas de campo, possuía, porém, vastas salas, amplos quartos, todos com janelas, e uma varanda com uma colunata heterodoxa. Além desta principal, o sítio do "Sossego", como se chamava, tinha outras construções: a velha casa da farinha, que ainda tinha o forno intacto e a roda desmontada, e uma estrebaria coberta de sapê.

      Não havia três meses que viera habitar aquela casa, naquele ermo lugar, a duas horas do Rio, por estrada de ferro, após ter passado seis meses no hospício da Praia das Saudades. Saíra curado? Quem sabe lá? Parecia; não delirava e os seus gestos e propósitos eram de homem comum embora, sob tal aparência, se pudesse sempre crer que não se lhe despedira de todo, já não se dirá a loucura, mas o sonho que cevara durante tantos anos. Foram mais seis meses de repouso e útil seqüestração que mesmo de uso de uma terapêutica psiquiátrica.

      Quaresma viveu lá, no manicômio, resignadamente, conversando com os seus companheiros, onde via ricos que se diziam pobres, pobres que se queriam ricos, sábios a maldizer da sabedoria, ignorantes a se proclamarem sábios: mas deles todos, daquele que mais se admirou, foi de um velho e plácido negociante da Rua dos Pescadores que se supunha Átila. Eu, dizia

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