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Preciso dele, aqui – anunciou Etienne.

      Ele falava como se Josephine fosse um dos seus cavaleiros menos importantes, e não a sua amante; uma estranha sensação de frio e calor envolveu a nuca de Josephine, mas ela forçou-se a sorrir.

      – Quando me devo aprontar para partir?

      – Tu? – perguntou Etienne, surpreso, como se a possibilidade de Josephine o acompanhar não lhe tivesse ocorrido. – É melhor ficares aqui. Não me demorarei muitos dias. Será uma viagem cansativa, e além disso, tu transformaste este quarto... na verdade, o castelo inteiro... num lugar tão confortável e aconchegante, que deves desfrutar dele tanto quanto possível.

      Tanto quanto possível! Porquê, porque ele pretendia mandá-la embora? Porque andava atrás de outra mulher, uma com cabelos castanhos ondulados, olhos desafiadores e um corpo esbelto e gracioso?

      – Está bem, Etienne – suspirou Josephine, esforçando-se para manter o tom de voz calmo. – Pretendes levar alguém contigo?

      – Philippe de Varenne – respondeu Etienne, sem hesitar. – Não confio nele. Confio em George, e por isso vou deixá-lo no comando, durante a minha ausência – Etienne olhou para Josephine e acrescentou: – Usa o teu vestido azul novo, esta noite. Tu ficas divina, com ele.

      Josephine assentiu e sorriu, porém o sorriso desapareceu para ser substituído por uma ruga de preocupação na testa, quando Etienne se levantou e saiu do quarto.

      Dois dias depois, quando o vento frio do Outono espalhava fios de palha dos estábulos pelo pátio, Gabriella debruçou-se para puxar o balde de dentro do poço. Cautelosamente, ela inclinou-o para encher um dos baldes que deveria levar para a cozinha. Noutros tempos, ela não prestara atenção ao trabalho necessário para manter a cozinha abastecida de água; agora, com as mãos calejadas de tanto puxar aquela corda, reconhecia o valor dos que ali tinham trabalhado.

      Talvez aquela fosse mais uma «lição» que ela tinha de aprender, reflectiu, com tristeza, estremecendo de frio, arrependida por não ter vestido o xaile. O barão de certeza que pensava assim. Ele ainda não voltara e, felizmente, Gabriella não o vira outra vez depois daquele último e desastroso encontro.

      Gabriella também estava contente porque Philippe de Varenne acompanhara o barão na viagem. O jovem cavaleiro não lhe dirigira mais a palavra, depois do dia em que ela lavara a túnica do barão no rio, mas dirigira-lhe o olhar com mais frequência do que Gabriella gostaria, um olhar que ela detestava. Se ele decidisse não voltar, seria uma bênção.

      Havia mais uma coisa pela qual Gabriella se sentia grata, que era a mudança em Robert Chalfront. Não que ele a ignorasse, mas agia como se ela fosse qualquer outra pessoa do castelo, o que trazia a Gabriella um alívio imenso. Por outro lado, a ausência do barão mantinha-o mais ocupado do que de costume, principalmente porque Sir George parecia mais interessado em caçar do que em administrar a propriedade, mesmo que só por alguns dias.

      De maneira geral, Gabriella tinha a impressão de que os habitantes do castelo Frechette ficavam mais descontraídos com a ausência do barão, como se uma sombra escura tivesse sido retirada de cima das suas cabeças. Não que ela se sentisse satisfeita, ou conformada com a sua situação; mais do que nunca, estava determinada a pagar a sua dívida. Não queria deixar a casa que sempre fora sua, mas talvez não lhe restasse alternativa, porque ela precisava de se afastar do barão DeGuerre. O que acontecera não se podia repetir.

      Com um suspiro, Gabriella baixou novamente o balde para o encher com a água fria e cristalina, e recomeçou a puxar. Perto dali, nos estábulos, dois criados provocavam-se entre si e riam, enquanto trabalhavam. De uma das janelas próximas, no andar superior, vinha o som da voz de Alda, a cantarolar uma balada. Ela também podia ouvir Guido a gritar ordens na cozinha, na extremidade oposta ao pátio. O cozinheiro ainda estava ansioso, embora bem menos do que antes da chegada do barão, pois já se tornara claro que o barão não pretendia dispensá-lo.

      A única pessoa que realmente parecia sentir a falta do barão DeGuerre era Josephine de Chaney; durante o dia, ela distraía-se com as atenções que lhe dedicavam os cavaleiros, um bando de mancebos admiradores, mas quando se retirava, à noite, Gabriella detectava tristeza nos lindos olhos verdes da jovem.

      Não era de admirar que Josephine sentisse tanto! Que ansiasse pela presença do barão na sua cama, pelo toque das mãos grandes e experientes, pela pressão dos lábios dele...

      Com outro longo suspiro, Gabriella colocou o balde vazio sobre o muro do poço, pegou nos dois cheios, e começou a afastar-se, espalhando o excesso de água sobre as pedras do pátio.

      – Milady!

      Instintivamente, Gabriella olhou sobre o ombro. Mary, uma das viúvas do condado de quem Gabriella sempre gostara, caminhava apressada na sua direcção, com uma expressão consternada.

      – É verdade, então, o que me contaram? – perguntou a mulher, com uma expressão ansiosa no rosto sofrido. – Acabei de voltar da casa da minha irmã, em Barton-by-Attley, onde fui passar alguns dias, e custa-me a acreditar! «Não é possível!», disse eu, quando Elsbeth me contou. Elsbeth é tão mexeriqueira, foi ela quem espalhou por aí que o meu John bebia mais do que devia, por isso não acreditei, quando ela me disse. «Juro por tudo que é sagrado», respondeu-me ela, e eu fiquei pasma, milady!

      – É verdade – admitiu Gabriella, colocando os baldes no chão. – Não tive muita escolha, Mary.

      – Ele... abusou de si? – Mary sussurrou a pergunta, com preocupação genuína, não com a intenção de bisbilhotar.

      – Não – murmurou Gabriella, enrubescendo ao lembrar-se do beijo. Ele perturbara-a, mas não abusara dela.

      – E o outro homem, o tal Philippe de Varenne? A Elsbeth disse que o viu a falar consigo, no rio, e achou que...

      – Philippe de Varenne foi viajar com o barão.

      – Que alívio, não?

      – Sim – concordou Gabriella. – Eu ficaria muito feliz se ele nunca mais voltasse.

      – E o barão também, não, milady?

      Gabriella não respondeu, e a sua própria reacção chocou-a. Nunca mais ver o barão DeGuerre? Não deveria desejar que ele desaparecesse da sua vida, tanto quanto Philippe de Varenne? No entanto, a ideia da ausência permanente do barão DeGuerre causava-lhe uma sensação de... vazio!

      – A Elsbeth disse que ele é impressionante, meio soturno, sempre vestido de preto! Mas também disse que é um homem e tanto! Ela achou-o lindo! – Mary sorriu e piscou um olho de soslaio a Gabriella, cujo coração deu um salto dentro do peito. – Disse que é alto, atraente... mas muito frio, parece, e desalmado, também!

      Gabriella lembrou-se da ternura que detectara no olhar do barão, numa ou duas ocasiões em que conversavam no quarto, e perguntou-se se ele seria, de facto, desalmado. Ela não acreditava que ele fosse, mas sim que escondesse o seu lado mais humano.

      – Bem, alegra-me saber que você não corre risco nas mãos do barão – Mary curvou-se para pegar num dos baldes.

      Naquele momento, George de Gramercie, Donald Bouchard e o seu amigo Seldon saíram do estábulo, George e Donald envolvidos numa calorosa discussão. Era óbvio, pelas palavras dele, pelas aves mortas que carregavam, pelos rostos corados e cabelos despenteados pelo vento, que estavam a voltar de uma caçada.

      Apesar do carácter campestre da actividade, Sir George usava uma fina capa de lã vermelha brilhante; as botas pretas lustrosas não tinham um único arranhão, e as calças justas pareciam ter acabado de ser engomadas. De facto, não importava o que fizesse, Sir George estava sempre impecável.

      Donald Bouchard, que obviamente não possuía tanto dinheiro quanto Sir George, estava vestido com simplicidade, como de costume, como se as roupas fossem uma extensão do seu carácter.

      Seldon, por sua vez, aparentemente enfiava no corpo o que encontrasse mais à mão. A capa castanha estava torta e amarrotada, e as botas, cobertas

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