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como se fossem dardos.

      – Peço desculpas por amar a minha irmã.

      Matteo amava Pia, certamente, embora não pudesse dizer que a entendesse. Melhor dizendo, não entendia as suas decisões quando tinha de saber que todos estavam a observá-la. No entanto, também era possível que não lhe tivessem inculcado isso desde muito pequena como tinham feito com ele.

      – Parece-me muito interessante que use o verbo «amar» nestas circunstâncias – comentou Sarina. – Não sei como me sentiria se o meu irmão decidisse expressar o seu suposto amor dando um murro ao pai do filho que espero.

      – Tem um irmão?

      Sabia que Sarina Fellows era a filha única de um professor universitário de Linguística e de uma bioquímica japonesa que se tinham conhecido na faculdade em Londres e tinham acabado por dar aulas na mesma universidade da Califórnia.

      – Não tenho um irmão – respondeu ela, sem se alterar porque a desmascarara –, mas fui criada por umas pessoas que defendiam a não-violência. Ao contrário de si, se for verdade o que sei do passado turbulento da sua família.

      Teria gostado de lhe perguntar a que passado turbulento se referia. Os San Giacomo tinham participado em duelos e tinham conspirado durante séculos. Os Combe tinham sido mais diretos, mais propensos a dar murros. No entanto, independentemente do ponto de vista, eram turbulentos.

      – Se sou culpado de alguma coisa, é de ser um irmão mais velho demasiado protetor.

      Então, Matteo recordou, com essa mistura de pasmo e tristeza de sempre, que também tinha um irmão mais velho, um irmão mais velho que a mãe abandonara quando era muito jovem, mas que incluíra no seu testamento, um irmão mais velho que ainda não conhecera e que continuava sem acreditar que era real.

      Talvez tivesse sido por isso que ainda não fizera nada.

      Tentou esboçar outro sorriso, embora não servisse para nada. A médica não mudou a sua expressão. Ficou em silêncio até o sorriso dele se apagar.

      Sabia que era um estratagema que ele próprio usara centenas de vezes, mas não gostava que o usassem com ele. Sentiu a necessidade de preencher esse silêncio, como acontecia com todos, mas conteve-se.

      Ficou na poltrona antiga onde o avô se sentara há décadas, quando a amargura de ser nobre, mas não da realeza, o corroía. Ficou como recordava que o seu avô fazia, tentando parecer tão despreocupado como devia estar porque aquilo era apenas um pequeno contratempo, um aborrecimento e mais nada.

      Estava a submeter-se àquilo porque quisera, porque, assim, poderia demonstrar ao seu conselho de administração que era rigoroso e diferente do pai… não porque se sentira obrigado.

      Não se importava que a médica não se apercebesse.

      Além disso, quanto mais tempo olhasse para ele nesse silêncio que se espessava entre eles, mais lhe custava pensar em algo que não fosse como era atraente. Esperara uma mulher mais parecida com uma bruxa, uma mulher, por exemplo, velha e suscetível.

      Suspeitava que a sua beleza era outro estratagema, pois Sarina Fellows não parecia o tipo de mulher que poderia exercer esse suposto poder sobre a vida dele. Parecia o tipo de mulher que gostaria de levar para a cama. Esbelta, elegante e segura de si própria. Preferia as mulheres inteligentes e refinadas porque gostava tanto de uma conversa inteligente como de outros entretenimentos mais sensuais e insaciáveis.

      Se não a tivessem mandado para que o julgasse, talvez se tivesse divertido a encontrar uma forma de introduzir a mão por baixo da saia que usava e…

      – Masculinidade tóxica – sentenciou ela, num certo tom de satisfação.

      – É um diagnóstico? – perguntou Matteo, pestanejando.

      – A boa notícia, senhor Combe, é que não é o único. – Os olhos escuros dela deixaram escapar um brilho de satisfação evidente. – Parece incorrigível. Pense um pouco no assunto. Normalmente, um enterro celebra-se para que os entes queridos possam despedir-se do falecido. Decidiu transformá-lo num ringue, derramou sangue, assustou quem estava lá e humilhou essa irmã que afirma amar… e tudo para reparar o seu sentido de honra.

      Ele não suspirou, embora tivesse de fazer um verdadeiro esforço.

      – Evidentemente, não conheceu o meu pai. Não havia entes queridos no seu enterro e, além disso, teria sido o primeiro a animar-me num combate de boxe.

      – Custa-me a acreditar e, francamente, é mais uma prova dessa incorreção de cobói que parece parte integrante do Matteo Combe.

      – Doutora Fellows, sou italiano por um lado e britânico por outro. Não tenho nada de cobói em nenhum sentido.

      – Uso a expressão para ilustrar um protecionismo masculino e tóxico de que, que eu saiba, não se desculpou, nem então nem agora.

      – Se me parecesse que devo pedir desculpas por defender a honra da minha irmã, e não me parece, seria algo de que teria de falar com a Pia, não consigo, com o conselho de administração ou, claro, com o público em geral – replicou Matteo, sem se alterar.

      – Então, sente remorsos pela sua brutalidade ou não?

      Suspeitava que o que sentia faria com que ela lhe chamasse coisas muito piores do que «cobói». Ele estendeu as mãos à frente dele como se fosse uma espécie de rendição, embora não soubesse como render-se, nem a nada nem a ninguém.

      – O remorso parece-se muito com a sensação de culpa ou de vergonha, sentimentos inúteis que têm muito mais a ver com os outros do que connosco. – Baixou as mãos. – Não posso mudar o passado, mesmo que quisesse.

      – Que confortável. Como não pode mudar o passado, também não vai incomodar-se em falar dele. Essa é a sua forma de agir?

      – Não posso dizer que tenha uma forma de agir porque nunca tinha tido uma conversa, entre aspas, como esta.

      – Não me surpreende…

      – No entanto, estou aqui, não é? Prometi responder a todas as perguntas que me faça. Podemos falar durante muito tempo e sobre tudo o que quiser. Sou muito complacente. – Matteo voltou a sorrir, embora fosse um sorriso gelado. – E, aparentemente, tóxico.

      – É interessante que tenha escolhido a palavra «complacente». – Teve a certeza de que percebera um tom brincalhão na voz, embora não se refletisse na sua cara. – Parece-lhe uma palavra acertada para descrever o seu comportamento?

      – Abri-lhe a minha casa, convidei-a e, quem diria, veio. Aceitei ter todas as conversas que considere necessárias e, em troca, chama-me tóxico em vez de acessível.

      – Essa palavra incomoda-o.

      – Não diria que me incomoda, mas ninguém gosta que lhe chamem «tóxico». Não é um elogio.

      O que o incomodava era a inutilidade de tudo aquilo, a perda de tempo e energia e, efetivamente, que fosse tão bonita, algo que era apenas outra arma e que não podia esquecer.

      – E, claro, o senhor é um homem habituado aos elogios, não é?

      Quis evitá-lo, mas, mesmo assim, sentiu que a sua boca esboçava outro sorriso.

      – Talvez ache estranho, mas a maioria das mulheres que me conhece não me acha tóxico.

      – Senhor Combe, está a tentar levar a sessão para um terreno sexual?

      Matteo viu que os olhos dela deixavam escapar um brilho e teria jurado que era um brilho de triunfo. Compreendeu que estava metido numa confusão maior do que imaginara, mesmo antes de ela sorrir com sarcasmo.

      – Ena, isto é muito pior do que tinha pensado – acrescentou Sarina.

      Capítulo 2

      Matteo Combe era o típico homem

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