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velho que nunca tinha tido. Ele tinha salvo a sua quinta, tinha-se apaixonado por Daisy, tinha tratado do seu pai. Dante era a resposta para os males dos Collingsworth.

      Voltou a sentir um frio profundo, como se o medo e a dor tivessem ficado na sua medula.

      – Fora – ordenou, apontando em direcção à porta.

      Levantou-se devagar e ergueu-se em toda a sua estatura. À luz ténue, a face parecia que tinha cortes angulosos por cima da boca.

      – Um dia vais perceber.

      – Jamais perceberei isso. Dante é um bom homem. É o homem mais generoso que conheço.

      – Não sabes a história toda.

      – Vai-te embora – virou-lhe as costas e cruzou os braços.

      – Sem me importar com o que aconteça – foi até à porta, – vou manter a palavra que te dei.

      Na banheira, Zoe ensaboou-se e esfregou-se, sentindo-se mole depois da viagem, do rapto, do beijo. Não percebia como é que podia sentir tantas emoções desencontradas. Lazaro Herrera inspirava-lhe medo e, ao mesmo tempo, fascinava-a.

      Enquanto se limpava, soube que devia transmitir a Dante e a Daisy o que sabia, que o tempo era de vital importância. Procuraria um telefone assim que pudesse.

      Metida num roupão, olhou para o armário aberto no quarto. Alguém tinha desfeito a sua mala por ela. Não podia imaginar que fosse Lazaro.

      Não gostava de se sentir nua numa casa estranha, pelo que se vestiu aceleradamente com umas calças de ganga cómodas e uma camisola velha amarela. Estava a calçar as meias e os ténis quando bateram à porta.

      Ao abrir a porta, descobriu uma mulher idosa que não tinha mais de um metro e cinquenta, com o cabelo branco e um rosto citrino extremamente enrugado.

      – Vamos! – a mulher séria cruzou as mãos sobre o regaço. – La cena.

      – Lamento, não percebo – respondeu devagar em inglês. Decididamente não lhe davam as boas-vindas. – Não falo espanhol.

      – La cena. La comida.

      – Lamento. Não percebi. Não sei… o que é que quer que eu faça… não falo espanhol.

      – Quê?

      – Senhor Herrera. Pergunte ao senhor Herrera, sí?

      A mulher murmurou algo quase inaudível e foi-se embora. Chegou a meio do corredor antes de se virar. Com gestos secos e breves indicou a boca, que abriu e fechou num exagerado gesto de mastigar.

      – La comida. La cena. La cena.

      – La cena – e depressa percebeu. Mas isso não significava que fosse a correr para ir jantar. Quem é que queria receber semelhante convite?

      Zoe fechou a porta com mais força do que a calculada. Fez uma careta e deitou-se na cama, enterrou a cabeça na almofada e deu um grito de frustração.

      Aquilo era um pesadelo.

      Não podia ficar naquela casa. Não fazia sentido. Estava tudo louco, desde o brandi, passando pela casa de banho, até ao beijo. Sentia-se perdida… confusa.

      Menos de dois minutos depois de a ter fechado, a porta abriu-se.

      – Por Dios! O que é que aconteceu? – disse Lazaro na ombreira da porta. – Nunca vi Luz tão transtornada.

      – Luz?

      – A minha empregada – pôs as mãos nas ancas com uma expressão indignada. – O que é que lhe disseste?

      – Nada.

      – Mas é evidente que a ofendeste.

      Zoe bateu na almofada e apertou-a.

      – Deves estar a gozar.

      – Não. Disse que lhe cuspiste na cara e que lhe fechaste a porta. Eu também ouvi a porta a bater.

      – Não cuspi – corou. – Jamais o faria. É uma falta de respeito. E não era minha intenção bater com a porta. Fechou-se com mais força do que imaginei.

      Ele olhou-a durante um bom bocado com o queixo tenso e a boca fechada. Parecia analisar a situação, a versão dada por Luz.

      – Não queres jantar, perfeito. Fica no teu quarto. Mas não te vou mandar comida na bandeja. Há uma sala de jantar nesta casa e uma bonita mesa antiga com cadeiras a condizer. Se quiseres deitar-te de estômago vazio, é um problema teu. Se quiseres comer, sabes onde é que estou… e a comida também.

      Sabia que não se iria juntar a ele para jantar e não esperou. Também não se incomodou de jantar sozinho no elegante salão. Comia quase sempre sozinho; tinha sido assim desde que a sua mãe tinha morrido quando ele tinha sete anos.

      Costumava pensar que tinha morrido de pobreza. Ambos tinham sempre fome e, apesar de ela trabalhar em tudo o que podia, nunca parecia ter dinheiro suficiente para sair da rua.

      Luz entrou no salão para ir buscar o seu prato e viu que mal tinha comido.

      – Não tens fome? – perguntou com o sobrolho franzido pela preocupação.

      Luz tinha brindado a sua amizade à sua mãe antes de morrer. Também tinha sido mais pobre, mas tinha fogo e um espírito indomável que a fazia opor-se àqueles que queriam oprimi-la. Tinha tentado ensinar a sua jovem mãe, Sabana, a enfrentar os aristocratas Galván, mas a sua mãe tinha horror à poderosa família.

      – Vou beber um café e algo ligeiro mais tarde – disse, reclinando-se na cadeira para que pudesse levantar os pratos.

      – Quem é a rapariga?

      – A amiga de um amigo.

      – A verdade – Luz estalou a língua.

      – É uma meia verdade e é suficiente neste momento – levantou-se. – Obrigado pelo jantar.

      Dirigiu-se para o salão e descobriu que o fogo se tinha quase consumido. Sentou-se no sofá, apoiou os pés na mesa de ferro e vidro e cravou o olhar nas resplandecentes chamas. Tinha construído aquela casa para a sua mãe. Claro que ela já tinha morrido há vinte e cinco anos quando teve os planos e a casa pronta, mas a atenção pelos pormenores tinha sido por ela, em sua honra. Tinha insistido no melhor. Candelabros de cristal, cortinas de seda, casas de banho de mármore, antiguidades francesas.

      Tinha sido uma jovem linda quando o conde Tino Galván a tomou contra a sua vontade. Com apenas dezassete anos. Sem sequer ter terminado a escola.

      Mas arrebatar-lhe a inocência não tinha sido suficiente para o conde Galván. Depois de a ter magoado, fez com que fosse para longe, exilada para uma aldeia da Patagónia, onde deu à luz sozinha. Os Galván tinham esperado que o bebé não sobrevivesse.

      Mas Lazaro tinha conseguido.

      Desde a morte da sua mãe, tinha vivido unicamente para uma coisa: Vingança. Vingança sobre aqueles que tinham ferido a sua mãe e os que tinham fechado as portas na sua cara.

      Zoe foi para a cama com fome e, às três da manhã acordou faminta. Entre a mudança de horários e os barulhos do estômago, não conseguiu voltar a adormecer. Esticada na cama, os seus pensamentos voaram até Daisy. A sua irmã devia estar preocupada.

      Precisava de entrar em contacto com ela para a tranquilizar e alertar Dante para o perigo que Lazaro representava.

      Levantou-se e vestiu o fino roupão de algodão branco que condizia com a sua camisa-de-dormir.

      Eram peças juvenis que tinha há muito tempo e das quais não se queria desprender, apesar do tecido estar gasto e as flores desbotadas. Tinham sido oferecidas pelo seu pai há anos. Daisy tinha recebido um conjunto igual, mas azul.

      Abriu a porta do quarto e espreitou para o corredor às escuras. Não sabia muito bem por onde começar a procurar um telefone. Sabia que devia haver um nalgum lado e não só isso,

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