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      – Não. Obrigado por tudo.

      Quando ficou só, Wolfe, pensativo, levantou o seu metro e noventa da cadeira para se aproximar da janela.

      A paisagem que dali se podia observar era uma rua degradada, numa cidade degradada, uma mistura de peões, carros e motorizadas ruidosas… Fixou-se então num grupo de pessoas que calçavam sandálias e vestiam camisas de cores berrantes.

      Degradada? Não, não podia haver outro sítio mais degradado que Auckland.

      Normalmente, gostava de viver na Nova Zelândia, mas desde a chamada telefónica da sua mãe tinha ficado nervoso e agressivo.

      Durante seis anos tinha-se esquecido de Rowan Anne Corbett, mas não podia ignorar a sua mãe.

      – Encontrei a Anne Corbett – dissera-lhe com aquela voz sumida e adoentada que lhe recordava aquilo que não queria recordar.

      Um ano depois da morte do filho ainda tão jovem, Laura Simpson tinha sucumbido a uma depressão que a deixou sem forças e sem vontade de viver. Nem os melhores médicos do mundo conseguiram fazer nada até que um deles, mais honesto, lhe explicou que simplesmente tinha o coração despedaçado e não havia cura para isso.

      – Onde a encontrou? – perguntou Wolfe.

      – Foi uma coincidência. A minha amiga Moira viu-a a trabalhar num café na baía de Kura e perguntou-lhe o nome.

      – Como é que desconfiou que era ela?

      – Estava comigo durante a audiência no tribunal e reconheceu-a.

      – Contactou-a?

      – Escrevi-lhe uma carta e ela respondeu-me afirmando que há seis anos tinha dito em tribunal tudo o que sabia sobre a morte de Tony. Quis telefonar-lhe, mas não encontrei o seu nome na lista telefónica – suspirou a mãe. – Deixei-lhe um recado no café, mas como não me telefonou, estou a pensar ir lá daqui a alguns dias.

      – Não quero que vá, mãe – disse Wolfe, furioso com Rowan Anne Corbett por se recusar a falar com uma mulher doente. Depois, viajar de avião deixá-la-ia exausta. – Vou lá eu.

      – Obrigada. E quando o fizeres, quando a vires, diz-lhe que não a culpo pelo que aconteceu. Usei-a como bode expiatório e lamento tê-lo feito. Tony só tinha vinte e um anos… Mas preciso de saber o que se passou naquela tarde.

      A sua mãe podia já ter perdoado a Rowan Anne Corbett, mas ele não. Com aquele cabelo preto e rosto de sereia tinha sido a responsável directa pela morte do seu meio-irmão.

      Laura Simpson hesitou um segundo antes de perguntar:

      – Wolfe, notaste alguma mudança em Tony depois do acidente?

      – Refere-se a quê exactamente?

      – Pareceu-me que tinha um comportamento mais responsável. Mas… pode ser apenas impressão minha.

      – É normal depois de um acidente tão grave. Essas coisas fazem pensar.

      – Sim, é verdade.

      Antes de desligar, Wolfe prometeu ir almoçar com ela na semana seguinte. Depois observou novamente a fotografia com um sorriso ameaçador. Agora Rowan não poderia escapar com mentiras e subterfúgios. Há seis anos atrás, uma pneumonia reteve-o num hospital do outro lado do mundo, obrigando a sua mãe a lidar sozinha com a investigação sobre a morte de Tony.

      A sua incapacidade de protegê-la deixou-lhe uma ferida que se tornou mais profunda ao saber que Rowan Corbett tinha desaparecido sem deixar rasto.

      Mas obrigá-la-ia… ou talvez a seduzisse para lhe sacar a verdade. Há dez anos que as coisas tinham acontecido e tiraria partido disso.

      Anne… Rowan Corbett tinha levado Tony à loucura, mas ele era mais duro que o seu ingénuo e mimado irmão. Wolfe pegou na fotografia e guardou-a numa caixa que fechou com uma pancada seca, gesto que reflectia o desprezo que sentia por ela.

      Meia hora depois, sem conseguir deixar de pensar naquele rosto grave e eroticamente intrigante, proferiu uma maldição. Sem pensar abriu a página da internet do jornal local e, ao fazê-lo, a palavra «Rowan» chamou a sua atenção.

      Incrédulo, procurou o artigo. Pelos vistos, uma galeria de arte expunha naquela mesma noite uma colecção de cerâmica, pintura e vidro trabalhado. Segundo o jornal, todos os trabalhos eram muito bons, mas reservava os melhores elogios para a cerâmica de alguém chamado Rowan.

      Nada mais, nada menos que Rowan.

      E o jornalista elogiava-o com adjectivos como «esmaltes de brilho extraordinário», forma soberba, «uma nova estrela na constelação artística da Nova Zelândia».

      Wolfe observou a fotografia de um jarrão. Elegante de forma, era um desenho muito original, muito bonito.

      Talvez fosse demasiada coincidência, mas ele era um homem habituado a deixar que a intuição ditasse as suas decisões. Nem por um momento aquele misterioso instinto o tinha decepcionado, bem pelo contrário; foi assim que converteu a pequena empresa de electrónica que lhe tinha deixado o padrasto numa multinacional de informação tecnológica.

      Uma inteligência formidável e uma grande habilidade para saber aquilo que os consumidores queriam tinham-no ajudado nessa subida meteórica. E também a sua forma determinada. Por isso a concorrência respeitava-o e os funcionários eram absolutamente fiéis.

      Wolfe esperava ser o melhor deles, mas oferecia sempre as melhores condições de trabalho.

      – Menina Forrest – disse pressionando o intercomunicador. – Arranje uma entrada para a exposição desta noite na galeria Working Life.

      Rowan tentava controlar um ataque de nervos que começava a assumir a forma de um humilhante ataque de pânico.

      – Não vou– murmurou, olhando-se no espelho. A imagem que via reflectida era a de uma completa estranha. Era assombroso aquilo que podia fazer uma maquilhagem bem feita.

      Bobo Link, a sua marchant, deixou escapar um suspiro.

      – Não podes ficar toda a vida escondida.

      – Não estou a esconder-me – replicou Rowan.

      – Viver como uma eremita em Kura, trabalhando como uma escrava num café deprimente, recusando-te a sair ou a ver alguém… Não se chama a isso esconder?

      – Tenho muito trabalho. Queres vender os meus trabalhos de cerâmica e…

      – Então sai e vende – interrompeu-a Bobo, a sua sincera e brutalmente honesta representante artística. – Estás linda… os olhos e a boca ficaram estupendos. Se bem que ainda há bom material para trabalhar, é verdade.

      – A verdade é que não me reconheço… A mim não me fica bem vendê-lo, tu é que deves fazer isso.

      – Parvoíces. Toda a gente quer conhecer o autor das obras que compra e tu és um presente do céu, Rowan. Além de uma grande artista, és linda e ficas genial nas fotografias.

      – Não sou uma top model – protestou ela.

      Bobo suspirou de novo.

      – Não te preocupes, o teu trabalho destaca-se por si mesmo. Mas Frank fez uma crítica fantástica no jornal, que seria um verdadeiro desperdício não explorar… não a usar. És um génio, mas os jarrões não se comem. E se não queres continuar a ser criada toda a vida, será melhor que apareças esta noite na exposição.

      Rowan olhou-se no espelho, pensativa. Vestia uma blusa de seda preta e uma saia comprida de cabedal que lhe tinha emprestado a sua agente. Tinha de reconhecer que estava muito bonita, mas…

      – Está bem, vou. Mas não posso vestir esta blusa tão transparente… o meu peito não está à venda!

      Bobo ergueu os olhos ao céu.

      – O teu pai tem de responder a muitas coisas. Não se

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