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risadas e joguinhos eróticos a que ambos estavam habituados, o cansaço desapareceu rapidamente.

      No dia seguinte, recuperadas as forças, buscou o elegante casaco de lã negra que mandou fazer antes de partir para Mântua, dirigindo-se, ob torto collo, ao evento dos Riario.

      O novo palácio, que surgia das ruínas de um antigo templo de Apolo, era estupendo. Fora projetado pelo mestre de Forlì Melozzo di Giuliano degli Ambrosi para saciar a mania de grandeza de Girolamo e o refinado gosto de sua jovem e bela senhora: Catarina Sforza, filha natural do falecido duque de Milão, Galeazzo, com sua amante Lucrécia Landriani.

      A amável e desenvolta dona da casa recebia com seu consorte, vinte anos mais velho, os ilustres convidados no admirável pátio, apesar da particular rigidez daquela noite. Vestia uma longa e apertada gamurra, ornada sensualmente com rendas negras que faziam contraste com a palidez de sua pele. A veste estava fechada com cordões frontais e acrescida de mangas bordadas com fios de ouro, costuradas com diversos tecidos, cortados e amarrados por fitinhas, e de cujos cortes brotava a alva camisa. Os cabelos estavam envoltos por um sensual véu decorado com pérolas e pepitas de ouro.

      Assim que chegou sua vez, Riario apresentou obsequioso o agradável convidado à mulher:

      – Sua Excelência Tristano di Ginni, aquele em quem Sua Santidade põe Sua total confiança e graça – disse, como se quisesse sublinhar que era daquele homem que dependia o sucesso da próxima empreitada e o destino de sua família.

      – Uma extraordinária fama o precede, senhor – enfatizou Catarina, voltando-se de imediato ao convidado.

      – Extraordinária é a confecção de seu magnífico pingente gravado a cinzel com a excelente técnica dos mestres franceses de fusão de cera persa, senhora – respondeu logo o jovem diplomata, encarando o longo pescoço e levantando a mirada aos olhos, profundos, orgulhosos por pertencer a uma estirpe de gloriosos guerreiros, mas ao mesmo tempo taciturnos, conformados portais de uma alma insatisfeita, fiéis indicadores da típica infelicidade da alegria de fachada.

      Tristano foi capturado por esses olhos, não se desligou deles nem um momento durante toda a noite e, aproveitando a ausência temporária do marido, entretido do lado de fora por cardeais e políticos, ousou convidar a senhora a uma basse dance.

      Ela, desde Milão, costumava praticar diversas atividades, mesmo as consideradas inconvenientes para seu sexo e sua categoria: era uma hábil caçadora, tinha verdadeira paixão pelas armas e uma forte inclinação ao comando, herdada de sua mãe, além de amar entregar-se a experimentos de botânica e alquimia. Era aventureira e amava os aventureiros.

      Embora todo o salão prestasse atenção, não pôde recusar.

      – Adoro a escultura grega de Policleto e Fídias. E a senhora? – perguntou Tristano enquanto os passos de dança permitiam que a boca dele se aproximasse do ouvido dela.

      – Sim, é sublime. Adoro-a também eu – respondeu Catarina sorrindo.

      – Nunca viu a coleção de arte do palácio Orsini? Há corpos hercúleos de mármore inestimáveis – acrescentou o audaz cavaleiro.

      – Oh. – fingiu admirar-se e inquietar-se a nobre. – imagino… O senhor também precisa ver os retratos de meu Melozzo, que guardo com zelo em meu palácio –  replicou voluptuosa, antes que a música os separasse.

      Durante o resto da noite, a refinada dona da casa ignorou as atenções do jovem sedutor, que, ao contrário, não via ou sentia nada além do brilho e o odor daquela pele que acabara de tocar.

      A ceia terminou e, um após o outro, os comensais abandonaram o exitoso banquete.

      Tristano já estava no pátio quando um pajem se aproximou com um bilhete  dobrado…

      "As obras de meu Melozzo estão no salão do piso nobre".

      E assim como não pôde recusar o convite do filho do papa, não podia de forma alguma recusar o de sua estimada nora. Voltou para dentro e seguiu o empregado até o piso superior, onde esperou impaciente o momento em que poderia finalmente desatar aqueles longos cabelos louros, sob os quais descobriu a intensidade dos lábios, escarlates como as feridas das inúmeras misérias humanas.

      Catarina tinha uma psique complexa… e a complexidade da psique de uma mulher um bom sedutor sabe observar melhor em duas circunstâncias: no jogo e entre os lençóis.

      Até a aurora do novo dia, não se poupou, nem mesmo quando confidenciou a Tristano, entre lágrimas, as violências sofridas desde criança.

      – Às vezes os segredos só podem ser confiados a um estranho – disse.

      Logo depois, começou sua comovente narrativa:

      – Não era eu a esposa prometida a Girolamo Riario: estava tudo acertado para que fosse minha prima Costanza, à época com onze anos de idade, quem se uniria diante de Deus àquele animal raivoso. Na véspera do casamento, porém, minha tia Gabriela Gonzaga exigiu que a consumação da legítima união apenas acontecesse após três anos, ao chegar a idade legal da pequena Costanza. Diante de tais condições, Girolamo, furioso, anulou o matrimônio e ameaçou terríveis repercussões contra toda a família pela grave humilhação sofrida. Foi assim que, como se faz com um anel danificado, meus pais substituíram-me pela prima recusada, consentindo a todas as exigências do despótico esposo. Eu tinha apenas dez anos.

      Tristano, chocado, apenas a abraçou com força e enxugou as lágrimas que escorriam pelo rosto.

      VI

       O cerco de Otranto

Ahmed Paxá e a liga contra os turcos

      Depois de alguns dias, arranjados os últimos detalhes, o incansável mandatário pontifício partiu para Nápoles.

      Acompanhando-o na secreta missão estava o valente Pietro, plenamente recuperado e ansioso para ver a cidade partenopeia de que seu pai lhe havia tanto falado quando era jovem.

      Para Tristano, não era a primeira vez e, após as insistências um tanto impertinentes de seu servente, começou a contar dos ocorridos de quase três anos antes:

      – Eu estava tão animado e curioso quanto você agora. Pense, eu só conhecia Nápoles por um velho mapa beneditino desenhado para mim pelo meu falecido avô, para mostrar onde minha mãe havia prestado serviço à corte quando jovem.  Acompanhei o Frade Roberto, meu mestre e guia, que à época era conhecido como Frade Roberto Caracciolo da Lecce, até a maravilhosa capela real de Nápoles, e juntos advertimos o rei Fernando de Aragão do iminente perigo turco nas costas orientais.

      Uma enfática carta do Grão-Mestre dos Cavaleiros Hospitalários havia informado o pontífice sobre a tentativa da República de Veneza de pressionar os otomanos a realizar uma expedição contra a península italiana, mais especificamente no Reino de Nápoles. Obviamente, isso, causava indizíveis preocupações não apenas aos aragoneses, mas a todo o cristianismo.

      No entanto, Ferrante (nome que os súditos davam ao rei Fernando), não apenas se manteve alheio aos avisos sobre os turcos, mas logo ordenou, irresponsavelmente, a remoção de 200 cavaleiros de infantaria de Otranto para lançá-los contra Florença.

      Assim, o grão-vizir Ahmed Paxá, depois de uma tentativa frustrada de tomar a Ordem dos Cavaleiros de São João de Jerusalém, aportou sem problemas com sua frota na costa de Brindisi, voltando sua atenção para a cidade de Otranto. Logo enviou seu mandatário àqueles brancos muros, garantindo a vida do povo de Otranto em troca da imediata rendição incondicional. O povo, no entanto, não apenas recusou as condições do mensageiro turco, mas desastrosamente o mataram, provocando a previsível ira do feroz Ahmed Paxá.

      No verão, os turcos irromperam na cidade como feras sedentas de sangue e em poucos minutos destruíram tudo que se opunha a eles.

      A catedral foi o único refúgio para mulheres, crianças, velhos, homens com deficiências, moradores aterrorizados, o último bastião onde se proteger quando todas as outras defesas haviam caído: os homens reforçaram os portões, as mulheres,

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