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que, embora a cumulasse de jóias, embora despertasse o desejo dela, como a atriz despertava o dele, o Rei continuava sendo dono absoluto de si mesmo.

      Tinha a desagradável sensação de que, se morresse no dia seguinte, o Rei mandaria flores para o enterro e não pensaria mais nela.

      Foi até a janela, blasfemando baixinho na gíria da sarjeta.

      Olhou para fora, mas não viu as montanhas altas com os picos cobertos de pinheiros, nem o vale verde onde um rio prateado serpeava por entre campos floridos.

      Em vez disso, imaginou os bulevares cheios de gente, os lampiões de gás nos cafés, o público entrando no teatro, pronto para aplaudi-la ruidosamente, quando terminasse sua dança.

      «Sou uma tola! Não sei por que não o abandono e volto para lá».

      Com receio da resposta, afastou-se da janela com ar petulante e postou-se diante do espelho, para admirar o colar de rubis.

      Temia, como tantas outras antes dela, se apaixonar por um homem para o qual só significava um belo corpo e uma dançarina sensacional.

      O Rei andou pela passagem secreta, que tinha um tapete grosso e era decorada com lambris feitos com nogueira das florestas de Valdastien. Com uma chave de ouro, abriu a porta que dava para o seu escritório.

      Ao fechá-la, não pensava na atriz, como La Belle teria gostado, e sim, no Primeiro-Ministro, que devia estar esperando por ele com impaciência.

      Maximiliano estava mais de uma hora atrasado para a entrevista, mas não pretendia se desculpar, pela simples razão de acreditar que reinava pela graça de Deus e que, portanto, seus súditos, inclusive o primeiro-ministro, deviam aceitá-lo como era.

      Passou para o enorme hall barroco, um dos mais belos do país e famoso em toda a Europa.

      O Palácio tinha sido reformado e aumentado no correr dos séculos, pouco restando da construção original, que datava do século XVI.

      Cada monarca tinha feito o possível para torná-lo mais impressionante. Governantes de outros países, quando vinham a Valdastien pela primeira vez, ficavam cheios de inveja da beleza do palácio é da riqueza das peças que ali havia.

      Maximiliano subiu uma escada magnífica, decorada com ouro e marfim, indo até a antecâmara onde o Primeiro-Ministro devia estar à sua espera.

      Era ali que, por tradição, o Rei recebia seus Ministros.

      Como que para fazer com que compreendessem que eles eram apenas uma pequena parte da história, as paredes estavam cobertas por tapeçarias representando as vitórias dos antigos governantes e o teto pintado era obra de um artesão local que se inspirara nos mestres italianos.

      Quando o Rei entrou na antecâmara, esperando ali encontrar, não apenas o Primeiro-Ministro, mas pelo menos meia dúzia de membros do gabinete, ficou admirado por ver apenas dois homens, perto da janela. Teve a impressão, embora não pudesse ouvir o que diziam, de que conversavam seriamente e até pareciam um pouco apreensivos.

      Estavam tão entretidos, que, por um momento, não perceberam a presença do Rei.

      Maximiliano tinha uma aguda percepção das pessoas e soube que o pedido urgente do primeiro-ministro para vê-lo não era uma visita de cortesia, e sim para tratar de algum assunto muito grave.

      Dirigiu-se para os dois homens, que imediatamente ficaram atentos.

      −Boa tarde− disse ao Primeiro-Ministro.

      −Boa tarde, Majestade. É muita gentileza sua nos receber, a mim e ao chanceler, com tão curto aviso.

      O Rei inclinou a cabeça para o Chanceler, o Conde Holé, de quem não gostava muito.

      O Primeiro-Ministro continuou:

      −Temos um assunto a discutir com Vossa Majestade e espera mos que tenha a bondade de nos ouvir, sem ficar contrariado.

      Maximiliano ergueu as sobrancelhas.

      −Acho que esta sala é muito grande para uma conversa íntima. Sugiro que passemos para a sala vizinha, onde certamente ficaremos mais bem acomodados.

      Muito à vontade, sentou-se numa cadeira de espaldar alto, onde se via o brasão real bordado em seda e ouro. Com um gesto, indicou que os dois homens deviam sentar-se.

      Eles escolheram duas cadeiras perto do rei, obviamente para não precisarem falar alto.

      Maximiliano olhou de um para o outro.

      −Então, senhores? Estou curioso para saber qual o importante problema que me trouxeram e que, por um motivo com o qual ainda não atinei, não exige a presença de todo o gabinete.

      O Primeiro-Ministro respirou fundo.

      −O Chanceler e eu estamos ansiosos, Majestade, para lhe falar sobre esse problema, antes que seja apresentado ao gabinete e, mais tarde, ao parlamento− fez uma pausa, olhou para o Chanceler como pedindo confirmação, e continuou−, devo ser franco, Majestade, e dizer imediatamente qual o motivo que nos trouxe aqui?

      −Certamente, prefiro que me digam logo qual o motivo. Como bem sabem, não gosto de dissertações longas, que geralmente são desnecessárias.

      Muito bem, Majestade. A opinião de muitos de meus colegas, partilhada por toda a nação, é que a linha sucessória precisa ser garantida. Seria um erro encorajar certas nações vizinhas a pensarem que, caso alguma coisa acontecesse a Vossa Majestade, elas poderiam ter alguma interferência nos negócios de Valdastien.

      Quando o Ministro começou a falar, o Rei se contraiu, agora, com voz inexpressiva, mas com olhar duro, disse:

      −O que está insinuando, Primeiro-Ministro, é que devo casar.

      −Como Vossa Majestade me pediu para ser franco, a resposta é... sim.

      −Sou relativamente moço.

      −Claro, Majestade. Ao mesmo tempo, não tem irmãos e se não tiver um filho, a linha sucessória terminará.

      O Rei ficou em silêncio, sabendo que era verdade. Como se temesse ter despertado sua cólera, o Ministro continuou:

      −O povo do sul do país ficou muito abalado com a tentativa de morte contra o rei Gustavo, há três semanas. Como Vossa Majestade não ignora, Sua Majestade escapou por um triz, e nada nos diz que não haja outra tentativa de assassinato.

      −O que os senhores estão dizendo é que há anarquistas por toda parte. Na última vez que estive em Paris, comentava-se que houve um atentado contra a Rainha Vitória, na Inglaterra.

      −É verdade, Majestade, e aqui em Valdastien, o povo tem medo, não apenas de que um anarquista o ataque, como também porque sabem que Vossa Majestade está sempre correndo perigo.

      O Rei percebeu que o primeiro-ministro se referia a seus passatempos prediletos. Gostava de alpinismo e orgulhava-se de, aos trinta e cinco anos, poder escalar montanhas com a força e a agilidade de quinze anos antes.

      Gostava também de domar cavalos selvagens, dos quais havia muitos em Valdastien. Eram capturados em distritos isolados e montanhosos.

      Quando os melhores eram trazidos para as cocheiras do palácio, o rei fazia questão de montar aqueles que seus cavalariços mais temiam.

      Essas duas atividades aborreciam o Primeiro-Ministro.

      Mas, com um sorriso sarcástico, Maximiliano pensou que havia outro assunto que o preocupava, não o abordava, embora estivesse presente em seu pensamento.

      Em sua última viagem a Paris, o Rei foi desafiado para um duelo por um francês encolerizado que jurava que ele lhe havia seduzido a esposa.

      O fato de não ter sido necessário nenhum esforço por parte de Maximiliano e de o caso estar longe de ser sedução, não o impediu de aceitar o desafio.

      Embora o aristocrata francês fosse um famoso duelista, que já tinha matado dois adversários, foi ferido por uma bala

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