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o meu parecer com a franqueza propria de um portuguez, homem de bem) seja sem perda de tempo enviado como commandante do primeiro vaso que sair para o Brazil, dispondo de modo a sua expedição, que elle só volte á metrópole passados annos. Esta é a minha humilde opinião.

      O bacharel concluiu, dobrando o pescoço até bater com a barba no peito. Manique redarguiu debilmente em opposição aos principios fabianos do bacharel. Sampayo replicou, pedindo sempre mil perdões da audacia, e alfim superou o chefe, fortalecendo-se com a difficuldade de provar a denuncia, visto que as testimunhas presenciaes das arengas revolucionarias de Mendonça não jurariam contra elle.

      N'esse dia expediu-se ordem para recolher a Lisboa o tenente da corveta Audaz, Francisco Salter de Mendonça, no praso de oito dias. Aprestou-se um brigue, que devia, dois dias depois da chegada do official, fazer-se á vela para o Rio de Janeiro, capitaneado por Salter, promovido a capitão.

      O ajudante do intendente geral da policia, escrevendo a seu cunhado Norberto de Meirelles, dizia:

      «Tenho luctado com enormes difficuldades. Saquei seis mil cruzados, e venci as primeiras; as outras hão de vencer-se… etc.»

      D'onde se infere que o agente de Norberto de Meirelles estimara em seis mil cruzados as duas arripiadas arengas á celebre poetiza e ao intendente geral da policia.

      IV

               Salada

      ¡Ai! ¡no me dejes nunca!

               Aden

                                                   ¿Yo dejarte?

      ¿Y para qué, y porque?! tu mi querida!

      ¿Ni como, aunc quisiera abandonarte

      Juntos tu y yo lanzados en la vida?

Espronceda. (El diablo mundo.)

      Fazia tristeza e saudade a formosa lua de uma noite de agosto n'aquelles olorosos jardins do Candal.

      Era meia noite, e a viração do mar bafejava mansamente as copas dos arvoredos, que circuitavam a sombria casa de Norberto de Meirelles, o qual, a essa hora, resonava mais alto que todos os sêres vivos da natureza em roda.

      De mansinho rodou a porta que abria para o jardim. Um vulto deslizou por entre os myrtos e japoneiras, até ganhar o mirante erguido n'um angulo do jardim.

      –Esperaste muito?—disse ella a Francisco Salter, que lhe saira de sob a ramagem sombria dos chorões debruçados no muro—Tem paciencia, meu amigo. Minha mãe deitou-se ha meia hora; não sei que ar de inquieta alegria ella tinha hoje, que lhe não chegava o somno…

      –Seria tão viva a alegria d'ella, como é viva a amargura que me não deixara dormir a mim?

      –Amargura! Que tens, Francisco?

      –Não te fallou por mim o meu bilhete d'esta tarde?

      –O teu bilhete?… não… Dizias-me que era indispensavel fallares-me hoje… Não traduzi amargura n'isto… Cuidei que era uma saudade feliz e serena como a minha…

      –Oh! não, minha querida, é uma saudade que me despedaça… é a saudade que…

      –Como?! que linguagem é essa, Francisco! Não me tens agora aqui?! não sou eu tua para sempre?!

      –Sei que serás, Carlota, sei… mas eu preciso que chores commigo para me ser menos amarga a minha dor… É forçoso que nos separemos por alguns dias… mezes… annos…

      –Jesus! que nos separemos?! Onde vaes tu?

      –Sou chamado immediatamente a Lisboa.

      –A Lisboa!… para que és tu chamado a Lisboa, Francisco?

      –Não sei… é uma ordem terminante do ministro.

      –Oh meu Deus!… que lembrança terrivel!—exclamou com vehemencia Carlota—É impossivel! é impossivel!

      –Impossivel o que?

      –Nem te quero dizer a horrivel ideia que tive agora…

      –Diz, Carlota… vejamos se se encontram duas ideias horriveis.

      –Pois tambem suspeitas?… que te lembra, meu amigo?… diz, diz, se tambem julgas possivel…

      –Tambem suspeito que a ida de teu tio a Lisboa…

      –Sim, sim, é isso que me lembrou; mas não creias, porque meu tio é um bom homem. Ha muito que elle dizia que iria a Lisboa requerer um emprego. É ao que foi; mas… é verdade que…

      –Não receies atormentar-me, Carlota; diz tudo que te faz desconfiar…

      –É que hoje recebeu-se carta de meu tio, conheci a lettra do sobrescripto, quiz abril-a innocentemente, e meu pae tirou-me a carta da mão com grande sobresalto, dizendo que não era boa creação ler as cartas de outro. Eu disse-lhe que era uma curiosidade filha do desejo de saber como meu tio passava; e o pae voltou-me as costas, e eu bem vi que elle estava muito inquieto… mas…

      –Duvidas ainda, Carlota, que teu tio foi agenciar a minha saida do Porto! Duvidas que não foi traiçoeiro o consentimento de teu pae, sem ao menos me perguntar que familia ou haveres são os meus?

      –Isso é horrivel, meu amigo! não me convenças d'essa traição, que me matas! Elles não podem separar-nos, não! O que a morte póde fazer não o farão elles. Juro-t'o pela minha alma e por tudo quanto ha sagrado…

      –Não jures, Carlota; eu sei o que és para mim; vale mais essa tua afflicção, que todos os juramentos. Por quem és, não chores assim, meu querido anjo. Aqui o terrivel mal que nos ameaça é a saudade, a incerteza não. Se a nossa ventura vier mais tarde do que esperavamos, resignemo-nos, vençamos a desgraça com a esperança. Teu pae porque será contra mim? porque eu sou pobre? pois bem, Carlota, irás pobre para a companhia de teu marido. O meu pão chega para ti, e bastará para mim a felicidade de t'o alcançar á custa de honrado trabalho. Não aceitaremos uma moeda de cobre dos cofres de teu pae… Bem basta que esse dinheiro tenha sido o nosso algoz para o não querermos comnosco. Pobre é que eu te quero, e, se teu pae me não diz tão depressa que eras minha, ouviria da minha bôca uma renuncia formal do teu grande dote… Coragem, minha amiga. Eu vou a Lisboa, conheço logo a causa da minha chamada, desfaço as intrigas, se ellas lá me esperam, empenho em nosso favor amigos e parentes, que tenho alguns valiosos ao pé dos ministros. Voltarei para convencer teu pae de que eu reputei verdadeira a sua palavra, e me envergonhei por elle, suppondo necessario chamar a lei em nossa ajuda. Entrarei em tua casa, e dir-te-hei: Vem ser minha esposa! E tu sairás, pois não, minha Carlota?

      –Sim, sim, sairei; e por que não ha de ser já?!

      –Já?!

      –Sim, leva-me comtigo; não me deixes entregue a esta gente que me quer matar. Coméço a odial-os, e não poderei mais vel-os sem rancor. Leva-me, Francisco… Aceita-me assim pobre, e verás que te levo a maior riqueza d'este mundo, um coração onde eu tenho o segredo de fazer a nossa felicidade na pobreza. Não me respondes?

      –Queria responder-te de joelhos, Carlota! Tu és um anjo, és um bem que eu não mereço a Deus, e receio desagradar-lhe se faço soffrer teus paes, que, de certo, te devem amar muito, e cuidam que te fazem bem, separando-te de mim. Eu se fosse pae, e pae de uma filha assim, dal-a-hia ao primeiro que m'a viesse pedir, sem me mostrar virtudes dignas d'ella? Não diria a esse homem perfidamente que sim, para depois praticar a villania de o afastar, matando-lhe o coração a punhaladas traiçoeiras… não mostraria ao amante de minha filha o céo, para depois o despenhar no inferno; mas… custar-me-hia muito a dizer-lhe: Ahi te dou o thesouro que tive no coração dezesete annos, que guardei para me dar alegria nas amarguras da velhice… leva-o, e deixa-me só com a minha saudade irremediavel!… Não, Carlota, é cêdo ainda para dares a teus paes esse desgosto. O teu amor ensina-me a ser nobre. Ha um amor que faz tyrannos e crueis; mas esse amor não é o meu. Sou generoso para todo o mundo, e para os teus mais que para outrem. Ninguem dirá que calculei

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