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as carnes…

      – Tambem é uma ruma de alfinetões…

      – É para segurar bem.

      – Tens uma pellugem de arminho…

      – Ai!.. Assim não… não…

      – Que tens, rapariga?

      – Beijas-me, Helena, com uns labios quentes e gulosos… Só me déste vontade de…

      – Ui!.. ui!.. ui!.. Fazes-me um frisson de arrepiar-me os pellos…

      – É para vingar o teu beijo…

      – Porque me olhas assim, Angelica?

      – És de uma alvura surprehendente, minha amiga. De teu corpo rescende um perfume originalissimo que me entontece…

      – Aprendi a perfumar-me com as gregas. Li num livro que uma beldade se cubria de perfumes para agradar aos amantes. Eu o faço para attrahir as amigas como tu… Uma grega banhava as pernas numa bacia de prata em que se confundiam os aromas do nardo de Tharsos e do metôpyon do Aigypte. Nas axillas attritava mentho e sobre as pestanas e nas palpebras marjolana de kôs. Ao depois, a escrava defumava-lhe os cabellos desennastrados com espiraes de incenso, que combinava admiravelmente não só com a essencia de rozas de Phasêlis que lhe embalsamava a nuca e as faces, como tambem a bakkaris que se lhe derramava sobre os rins. E, por fim, entre os seios, corria o celebre oinanthê das montanhas de Chypre… Sei perfumar-me, Maria Angelica…

      – Bem se lhe pareciam as gregas, tuas mestras…

      – Entre os meus seios, inda ha pouco, deixei correr um fio languido do irresistivel Royal-Begonia, e nas axillas puz algodões embebidos na essencia de rozas… Nos meus cabellos derramei oleos de sandalo, para contrastar com as evolações das essencias de jasmins que perfumam as minhas vestias…

      – E na posse de tudo isto praticas uma mà acção, Helena!

      – Qual?

      – Essa de referires tantos perfumes e não me dares nenhum a provar… És avarenta, como ninguem, e eu cubiçosa de gozar…

      – Vai ao meu toucador e gasta do que quizeres…

      – Teria graça!

      – Porque assim?

      – Gósto das flores nos vegetaes, das essencias nos corpos das mulheres. Quero experimentar com o olfacto o odor unico que se desprende das tuas carnes…

      – Tens desejos masculinos, minha queridinha!

      – E é o que me faz lamentar-me: junto de uma graça não ser um Adonis, junto de uma Helena não ser cupido… Se eu pudesse embriagar-me com os teus perfumes e desmaiar de prazer entre os teus prazeres, seria mais feliz do que Syrinx, louca de paixão, Byblis, unica na insaciabilidade, ou Mnasidika, macia como um velludo… Helena, tu és uma perfeição…

      – Mofadora!

      – Mofar eu de ti?!..

      – Não te abraza o calor?..

      – Sim… Intoleravelmente…

      – Safa o collête… Assim… Que lindo corpo, Maria, e quantas seducções na tua plastica vista atravez da transparencia das gazes… Bem dizem os homens, sabios no sensualismo pagão, que o nú de veus é mais provocante do que o nú sem disfarces… Ha qualquer coisa de mystico, de irreal, na mulher encoberta pela semi-fluidez de um tecido fino… Se eu te não conhecesse os segredos todos de tuas lindas curvas, te rasgaria agora, impiedosamente, o veu de tua nudez…

      – Jà sentiste, Helena, um prazer maior do que esse das carnes livres do arrôcho de um collête dictatorial?

      – Quantas vezes?!

      – Tu brincas, mulher divertida…

      – Provo-te com a citação: despirei o meu collête e não me sentirei mais provocada do que contemplando as tuas fórmas semi-núas…

      – Es barbara, Helena! Como encarceras um tão lindo quadril dentro dos oppressivos liames de um collête… Ah! Como eu daria a vida por ser morena! O ventre alvo é uma desillusão, mas o trigueiro, como o teu, é um incentivo. Parece o tegumento de um fructo e provoca o instincto mais calmo…

      – Não te agrada a minha nueza?

      – Inteiramente. Agora, vê là se te não impressiona mal a brancura do meu ventre…

      – Ao contrario, Maria Angelica: é uma grande corolla de petalas alvas desenvolvida de um peluginoso calice de oiro… É maravilhoso o teu contorno… Dignas fórmas para a perpetuidade de uma téla ou de um retrato…

      – Deixarias tu que fôsse apanhada a tua nudez?

      – E porque não?.. Sei que fascinaria… Queres photographar-me?

      – Que egoismo leviano!

      – Acha-o?

      – Sim… Photographemo-nos…

      – Adoravel!.. Como não irradiará no cliché o contraste de nossas pelles, o macio sombreado de um tropico sobre a tentadora alvura nevosa de um pólo…

      Os olhos das duas mulheres vestiu-se com uma luz liquida como uma solução de perolas e opalas.

      Os seus labios permutaram cariciosos beijos.

      E, horas depois, MARIA ANGELICA e HELENA, retratadas por uma aia, desvendavam as suas abrazadoras nuezas à inveja de ESTHER…

      O POETA MORIBUNDO

      Luxuoso salão de recepções: por entre cavallêtes com quadros de fina pintura, em que apparecem, de par com extrangeiros, o gosto de Parreira e a vocação de Prescilliano, vasos com flores, e, no meio das tapeçarias, dos fauteils e das luzes, um magestoso piano Ritter.

      HELOISA acabou de executar, com todo o applauso do maestro CHRISTOVAM DETMER, a linda fantasia —Le poète mourant– de Gotschalk.

      As ultimas notas perderam-se artisticamente: o maestro cheio de admiração e preso da infinita tristeza, dobrou-se e beijou os dedos que obedeciam á grande inspiração de HELOISA.

      Esta olhou-o e transfigurou-se como uma alma reflexamente combalida pela dor de uma alma irman…

      – Como esse poeta, Heloisa, que o grande musico fez morrer nas notas bemolisadas do piano, finou-se hoje o nosso amor… Emquanto executavas e os teus dedos arrancavam da alma do instrumento piedoso os sons do passional poema lyrico, me concentrei e te affirmo que a visão não despresou a audição, pois vi e ouvi toda a scena, desenvolvida entre personagens vivas, que se moviam, se soccorriam e testimunhavam o desfallecimento do artista moribundo. Durante minutos que serão inegualaveis na minha existencia de musico, aqui estive ao teu lado, frio como uma estatua, hermetico como uma esphynge, e não denunciei, pela ruga menor de meu semblante, a dor imperiosa que me ennervava a existencia. Vim do gabinete privado de tua mãe, que se transformou pacificamente no Satan de nossa felicidade. Falei-lhe ardoroso, como se lhe dissesse uma aria de Beethoven, contei-lhe minucioso e preciso a longa historia de nosso amor. Vejo, agora, que, por vezes, fui minudente de mais, rememorando o platonismo inedito com que te amei a alma de artista e não o corpo de mulher. Ao depois de ouvil-a, vim inspirar-me para o sacrificio no teu talento. E saio de tua presença illuminado como o prescripto que recebeu o balsamo do conselho christão para subir em seguida ao patibulo. Dá-me, pois, o conforto de tua confidencia ultima: amaste-me alguma vez?

      – Que pergunta, Christovam.

      – Indiscreta?

      – Não; ao contrario. Amesquinhante…

      – Extranho-te.

      – Não ha razão. Porventura pensarás que te amei e não te amo agora? Acaso a minha mão de mulher para te ser dada dependerá de alguma coisa irreductivel deante de minha vontade altiva?

      – Sinto-me lisonjeado, de facto, com a tua constancia, Heloisa. A cor dourada dos

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