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O descobrimento do Brasil por Pedro Alvares Cabral

      O DESCOBRIMENTO DO BRASIL POR PEDRO ALVARES CABRAL

      De Mauritania os montes, e logares,

      Terra que Antheo n'hum tempo possuio,

      Deixando á mão esquerda; que á direita

      Não ha certeza d'outra, mas suspeita.

CAMÕES, Lus., Canto V, est. IV.

      Sete annos e meio depois de Christovam Colombo ter demandado as Antilhas, realisou-se outra descoberta não menos importante, comprehendida no mesmo periodo iniciador das primeiras explorações maritimas que deram a conhecer praticamente a verdadeira distribuição das terras e dos mares sobre o globo.

      Colombo, genovez ao serviço de Castella, descobre terra da America central; Cabral e Corte Real, portuguezes e ao serviço de Portugal, descobrem terras da America austral e septentrional; fundindo estes tres descobrimentos fundamentaes em um unico, que torna conhecido um Novo Mundo ao occidente da Europa e Africa.

      Colombo encontra terra a oeste; Corte Real procura-a ao noroeste; e Cabral explora-a ao sudoeste, irradiando todos tres da parte mais avançada da Peninsula sobre o grande oceano Atlantico.

      Pedro Alvares Cabral parte do Tejo, com destino á India, a 9 de março de 1500, seguindo o primeiro exemplo pratico, dado por Vasco da Gama em 1497, de cortar a linha a oeste do meridiano das Ilhas de Cabo Verde, para evitar as calmas do norte do equador e utilizar os ventos geraes, facto aproveitado e vulgarisado por todos os navegadores portuguezes que se lhe succederam; e desvia-se ainda mais para oeste, não só por vantagem da navegação, mas tambem porque pretende na passagem reconhecer os mares occidentaes, onde ha toda a probabilidade de encontrar terra; a qual realmente descobriu, avistando a 24 de abril o Monte Pascal, em terras de Vera Cruz, que abordou e de que solemnemente tomou posse em nome de El-Rei de Portugal, continuando em seguida a sua derrota para a India, depois de ter enviado para Lisboa, com a noticia d'este acontecimento, um navio que para este fim levava na expedição.

      A demonstração do proposito em que ia Pedro Alvares Cabral de procurar terra ao sudoeste, em frente da Africa, faz-se hoje com toda a exactidão historica e scientifica, e fundamenta-se com documentos authenticos d'essa epocha e com resultados rigorosos deduzidos dos conhecimentos que ha sobre as tempestades, ventos e correntes maritimas do oceano Atlantico.

      Tres unicas hypotheses se podem estabelecer ácerca da descoberta do Brasil por Pedro Alvares Cabral:

      I. —Que os navios da expedição foram arrastados para oeste pela acção forçada e insuperavel do meio em que navegavam;

      II. —Que os navios foram desviados para oeste por erro commettido na navegação;

      III. —Que a expedição se dirigiu para oeste propositadamente.

      Provando que as duas hypotheses I e II são destituidas de fundamento, o que chamaremos —demonstração negativa– teremos que admittir forçosamente a hypothese III; restando unicamente determinar a natureza do proposito de ir para oeste, que podia ser motivado por presupposta vantagem da navegação, proporcionando uma descoberta fortuita, ou por intenção de procurar terra a oeste, o que constituirá para o nosso caso a —demonstração positiva– do verdadeiro caracter que revestiu este descobrimento.

      DEMONSTRAÇÃO NEGATIVA

      I. —Que os navios da expedição foram arrastados para oeste pela acção forçada e insuperavel do meio em que navegavam.

      Esta hypothese desdobra-se em duas outras:

      1.ª Que os navios da expedição foram impellidos para oeste pelas correntes athmosphericas;

      2.ª Que os navios da expedição foram arrastados para oeste pelas correntes maritimas.

      A 1.ª hypothese é inadmissivel pelos factos e razões seguintes:

      a) Não consta da descripção minuciosa d'esta viagem, feita por Pero Vaz Caminha, que ia a bordo, que depois de passadas as Ilhas de Cabo Verde sobreviesse tempestade; facto notavel que não ficaria de certo omittido na carta d'este escriptor se tivesse determinado tão inesperado acontecimento.1

      b) Refere Pero de Magalhães de Gandavo, na sua Historia da Provincia de Santa Cruz, que passadas as Ilhas de Cabo Verde, foi o vento prospero até avistarem a costa d'aquella provincia.2

      c) Independentemente das informaçôes authenticas d'aquella epocha, sabe-se que as tempestades da costa do Brasil, na estação do anno considerada, sopram do noroeste e do sudoeste, afastando portanto da costa para o largo em sentido contrario ao que seguiu a expedição.3

      d) Para o desvio ser causado por temporal e este atirar os navios para o lado da costa, deveria a tempestade provir dos quadrantes de fóra, pelo menos comprehendida entre os rumos de NE e SE, durar alguns dias e apartar os navios; circumstancias estas que não se verificam naquella zona, nem aconteceram á expedição, visto que a frota aportou unida e completa até á costa.4

      e) Não se conhece documento nem fundamento, que mencione, ou justifique, ter-se dado uma tempestade, que desviasse a expedição para oeste; mas existem duas cartas de bordo, nas quaes não se refere ter havido temporal; assim como se sabe que as condições meteorologicas d'aquella região, durante a monção do SW, são contrarias á cofirmação de tal caso de força maior; circumstancias e razões estas, todas decisivas, para pôrem de parte e não auctorizarem esta hypothese.5

      A 2.ª hypothese menos se pode tambem admittir, em vista dos fundamentos seguintes:

      f) Das observações astronomicas feitas em terra pelo bacharel mestre Johan, physico e cirurgião de el-rei, não resultam differenças nas situações calculadas a bordo durante a viagem e estas feitas á chegada, o que deveria succeder se houvesse corrente attendivel, e não deixaria de ser mencionado na carta que elle dirigiu a el-rei, por isso que n'ella se occupa das differenças que ha entre as derrotas estimadas pelos diversos pilotos da expedição, comparadas com a derrota por elle calculada.6

      g) O grande circuito maritimo do oceano Atlantico Sul, caminha de leste para oeste ao longo do equador; inflecte para a sudoeste na altura da Ilha de Fernando de Noronha; desvia-se successivamente para o sul de Pernambuco em deante; dirigindo-se depois gradualmente para sueste e leste até ao Cabo da Boa Esperança; e corre além d'isto muito ao largo da costa oriental da America do sul; circumstancias estas que bem demonstram a nenhuma influencia que este circuito pode ter sobre a atterragem dos navios.7

      h) A corrente da costa do Brasil, que se destaca d'este grande circuito, corre para SSW parallelamente á terra e a curta distancia d'ella, com pequena velocidade, não tendo acção sobre os navios senão na zona costeira, na qual a existencia da terra já está assignalada muito por fóra.8

      i) Os navios da frota, que eram veleiros e de panno latino, podiam facilmente ganhar caminho para barlavento, vencendo qualquer d'estas correntes, mesmo que ellas fossem contrarias, quanto mais sendo fracas e derivando à feição, para o largo ou parallelamente à costa, se o destino da derrota, com vento prospero, vizasse unicamente a montar o Cabo da Boa Esperança para seguir para a India.9

      II.Que os navios foram desviados para oeste por erro commettido na navegação.10

      Esta hypothese tambem se decompõe em duas, egualmente destituidas de fundamento:

      1.ª Erro commettido no rumo ou orientação da derrota;

      2.ª Erro na latitude ou na estimativa da distancia percorrida.

      A

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<p>1</p>

«… que a partida de belem como vossa alteza sabe foy segunda feira IX de março; e sabado XIIIJ do dito mez amtre as VIIJ e IX oras nos achamos amtre as canareas mais perto da gram canarea e aly amdamos todo aquelle dia em calma a vista delas obra de tres ou quatro legoas, e domingo XXIJ do dito mez, a as X oras pouco mais ou menos ouuemos vista das Ilhas do cabo verde a saber da Ilha de Sam njcolaao, segundo dito de Pero Escobar, piloto, e a noute seguymte da segunda feira lhe amanheceo se perdeo da frota Vaasco d'atayde com a sua naao sem hy auer tempo forte, nem contrairo pera poder ser. fez o capitam suas deligencias pera o achar a huumas e outras partes e nom pareçeo mays, e asy seguimos vosso caminho per este mar de comgo atãa terça feira doitauas de pascoa que foram XX dias dabril que topamos alguuns synaaes detera seemdo da dita Ilha segundo os pilotos diziam obra de bj e lx ou lxx legoas». – Carta de Pero Vaz Caminha, 1 de maio de 1500. Arch. Nac. da Torre do Tombo, gav. 8, maç. 2, n.º 8.

<p>2</p>

«… e havendo já um mez que hiam n'aquella volta navegando com vento prospero foram dar na costa desta Provincia». – Pero de Magalhães de Gandavo, Historia da Provincia de Santa Cruz, 1575. Bibl. Pub. de Lisboa, B, 14, 25, pag. 1.

<p>3</p>

As Monções são determinadas pelo Equinocio, a do S. reina de Março até Setembro, e a do N. de Setembro até Março; os Ventos geraes na primeira são E.S.E. e S.S.E., e os da segunda são E.N.E. e N.N.E.; porém isto regula sómente ao largo, porque a experiencia nos mostra que a visinhança das terras perturba repetidas vezes esta Lei; por exemplo: os navegadores praticos destas Costas contam com ventos de E., e os encontram nos mezes de Outubro, Novembro, e Dezembro, mezes que pertencem á Monção do N. Na Monção do S. desde a Lagôa dos Patos até Cabo Frio ás vezes tambem se encontrão Ventos do S.E. ao S.O. soprando com violencia. Os furacões denominados Pampeiros (porque a sua maior força se experimenta quando o Vento toma a direcção que passa pelo paiz dos Pampas) que com frequencia se encontram defronte do Rio da Prata e Costas visinhas, tem seus prognosticos; por exemplo: os Ventos soprarão com força do S. ao S.O., se o Sol, quando se põe, está cercado de nuvens e nevoas; se as terras apparecem muito claras, e parecem aproximar-se ao Expectador; felizmente a duração destes furacões he tanto menor, quanto maior he sua violencia; de sorte que sendo furiosos, raras vezes durão mais de 48 horas, e sua força diminue á proporção que se avança para o N. Quando as Brizas do S.E. ao S.O. na Monção do S. são moderadas, ellas alargão para o largo, durante o dia, e rondão para a terra de noite.» —Roteiro geral do globo, publ. pela Ac. R. das Sciencias de Lisboa, 1839, parte XI, sec. 1.ª, pag. 2.

<p>4</p>

Vents et moussons– La côte du Brésil, entre Bahia et Rio-Janeiro, est encore comprise dans la limite des alizés, et ce sont en effet les vents de la partie de l'E. qui y régnent le plus fréquemment; mais, comme on approche déjà de la limite Sud de ces vents, ils y subissent de grandes perturbations, et les moussons de N.E. et S.O. y sont bien caratèrisées, surtout dans le voisinage de la côte. Mousson de S.O.– La direction moyenne de l'alizé varie de trois quarts entre l'été et l'hiver, et, dans cette dernière saison d'avril à septembre, dite mousson de S.O., les vents généraux sont souvent remplacés par des vents variables du S. à l'O., qui sont les derniers souffles des pampeiros régnant à cette époque de l'année sur les côtes de la Plata. Ils amènent des temps sombres, de la pluie et un peu de mauvais temps; mais, arrivés par cette latitude, ils ont perdu toute leur force; ils sont tièdes, légers sur les voiles, et il est rare qu'ils forcent à prendre plus d'un ris aux huniers. Ils ne durent jamais plus de deux ou trois jours; le plus généralement même ce ne sont que des grains de quelques heures, auxquels succèdent des calmes et du beau temps, si le vent tourne au S.E. et à l'E. Outre ces grains de S.O., on reçoit aussi assez souvent des grains de S.E. aux environs des Abrolhos, et des orages du N.O. avec pluie et tonnerre qui arrivent également tout le long de la côte, mais s'étendent en général assez peu au large. En résumé, pendant tout l'hiver ou mousson de S.O., entre les deux équinoxes (avril, mai, juin, juillet et août), on trouve sur la côte du Brésil, entre Rio et Bahia, jusqu'à 30 ou 40 lieues au large, des petits temps très-variables, des grains pluvieux de S.O., des orages de N.O. et des brises inégales de l'E. au Sud». —Les côtes du Brésil, II.e section, pages 8. Dépôt des cartes e plans de la marine, Paris, 1864.

«… aly jouuemos toda aquela noute, e aa quimtafeira pola manhãa fezemos vella e segujmos direitos aa terra e os nauios pequenos diante himdo per XVIJ, XVJ, XV, XIIIJ, XIIJ, XIJ, X, e IX braças ataa mea legoa de terra onde todos lamçamos amcoras em direito da boca de huum Rio e chegariamos a esta amcorajem aas X oras pouco mais ou menos…» – Carta (citada) de Pero Vaz Caminha, 1 de maio de 1500.

<p>5</p>

Carta de Pero Vaz Caminha. – Carta de mestre Johan, fisico e cirugyano de El-Rei D. Manuel. – Roteiros já citados. – Effectivamente não ha nada que documente ou explique a existencia de uma tempestade, e portanto esta hypothese não tem fundamento algum, e até está banida pelos principaes e mais profundos historiadores e notaveis hydrographos. —Corografia Brazilica do padre Cazal. Roteiro do Brazil de M. Ernest Mouchez, nota (a), pag. 115.

<p>6</p>

«… senor ayer segunda feria que fueron 27 de Abril descendymos en terra yo e el pyloto do capitan moor e el pyloto de Sancho de tovar e tomamos el altura del sol al medyodya e fallamos 56 grados e la sontra era septentrional per lo qual segund las reglas del estrolabio jusgamos ser afastados de la equinocial por 17 grados e per consyguiente tener el altura del polo antartico en 17 grados segund que es magnifiesto en el espera e esto es quanto alo uno por lo qual sabra vosa alteza que todos los pylotos van adyante de mi en tanto que pero escolar va adyante 150 leguas e otros mas e outros menos pero quien dyse la verdad non se puede certyficar fasta que en boa ora allegemos al cabo de boa esperança e ally sabremos quien va mas cierto ellos con la carta o yo con la carta e el estrolabio…» – Carta de mestre Johan, 1 de maio de 1500. Arch. Nac. da Torre do Tombo, Corpo Chron., parte 3.ª, maço 2, doc. n.º 2.

<p>7</p>

Courant général au large. Il existe à 40 ou 50 lieues, au large de la côte du Brésil, un courant général descendant parallèlement à cette côte du N.N.E. au S.S.O., et qui n'est que la branche Sud du grand courant équatorial se bifurquant sur le cap Saint-Roque. Ce courant a une vitesse moyenne de 10 à 15 milles par 24 heures; il perd de sa force en avançant vers le S., et varie d'ailleurs selon les saisons et la force du vent. Il n'est plus guère sensible au delà du tropique. Ce courant, combiné avec la dérive produite par les vents alizés du S.E., se modifie souvent et porte vers la côte au S.O. et à l'O.S.O.» —Les côtes du Brésil (já citado), pag. 11. Veja-se tambem a Chart of the World on Mercators projection, constructed by Hermann Berghaus and Fr. v. Stülpnagel. Gotha: Justus Perthes.

<p>8</p>

«Courants près de terre. Entre le courant dont nous venons de parler et la côte, le mouvement des eaux est entièrement soumis aux vents régnants dès que la brise souffle 24 heures de la même direction, soit du N.E. ou du S.O. Le courant s'établit en conséquence et proportionnellement à la force des vents; aussi pendant la saison des vents de N.E., surtout d'octobre à janvier, les courants portent au S.O. avec une vitesse qui peut atteindre 25 à 30 milles par 24 heures. C'est surtout près des points saillants, tels que les caps Saint-Augustin, le Rio Doce, les caps Saint-Thomé et Frio, que la vitesse est la plus grande. Les navires qui atterrissent dans cette saison à Pernambouc et Bahia doivent compter sur une différence d'au moins 1 mille par heure et manœuvrer en conséquence; beaucoup de navires sont portés de 36 à 40 milles au S.O. dans les 24 heures. Mais, nous le répétons, ces courants cessent avec la cause qui les produit et sont loin d'opposer à la navigation un obstacle semblable à celui que l'on rencontre le long de la côte ferme, quand on veut remonter à contre-courant et contre-mousson de Sainte-Marthe à Curaçao ou à la Guayra. A l'exception des trois ou quatre mois d'été, novembre, décembre et janvier, où les vents de N.E. sont dans toute leur force, ces courants sont assez faibles et très-variables. Pendant la mousson de S.O., ils portent au N., et sont également faibles et variables; c'est en juin et juillet qu'ils acquièrent la plus grande force». —Les côtes du Brésil (já citado), pag. 12.

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A expedição compunha-se ao largar de Lisboa de tres naus e dez caravellas. «Caravelle: Le navire de ce nom, qui eut une véritable célébrité aux XVe et XVIe siècles; le navire dont se servirent les Portugais pour leur voyages de découvertes, et Christophe Colomb pour sont aventureuse navigation à l'ouest, était un petit bâtiment de la famille des vaisseaux ronds, mais plus fin de forme que les nefs ses contemporaines, et ayant des façons plus pincés. Ainsi était-il plus rapide, meilleur manœuvrier, et plus propre à toutes les expéditions qui demandait de la célérité dans la marche et une grande rapidité dans les évolutions».==Glossaire Nautique par A. Jal, Paris MDCCCXLVIII, pag. 419.

<p>10</p>

Vaz de Camina, qui donne beaucoup de détails sur ce voyage, n'indique nulle part ce motif (éviter les calmes de la côte d'Afrique) comme cause de la déviation dans l'O. de la route de Cabral, et nulle par non plus on ne lui voit invoquer le motif d'une tempête par 15° ou 16° de latitude pour expliquer ce grand écart de route et la découverte de la terre. Dès qu'on s'avance au S. de l'équateur, les alizés adonnent continuellement, et si l'on peut doubler la partie la plus orientale du continent, un peut au S. du cap Saint-Roque, l'on ne peut que s'éloigner de plus en plus de la côte quand on cherche à doubler le cap de Bonne-Espérance, puisque, d'un côté, les vents permettent de faire plus d'E., et que, de l'autre, la côte s'éloigne vers l'Ouest. Il est donc à peu près impossible de donner un autre motif plausible de l'arrivée de Cabral en vue de terre par 16° de latitude qu'une erreur de route commise par ce navigateur. —Les côtes du Brésil (já citado), nota a, pag. 115