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Os Lusíadas. Luis de Camoes
Читать онлайн.Название Os Lusíadas
Год выпуска 0
isbn http://www.gutenberg.org/ebooks/27236
Автор произведения Luis de Camoes
Жанр Зарубежные стихи
Издательство Public Domain
Que Baco muito de antes o auiſara,
Na forma doutro Mouro que tomàra.
O recado que trazem he de amigos:
Mas debaxo o veneno vem cuberto,
Que os penſamentos erão de inimigos,
Segundo foy o engano deſcuberto.
O grandes & grauiſsimo perigos,
O caminho de vida nunca certo:
Que aonde a gente poem ſua eſperança,
Tenha a vida tam pouca ſegurança.
No mar tanta tormenta, & tanto dano,
Tantas vezes a morte apercebida,
Na terra, tanta guerra, tanto engano,
Tanta neceſsidade auorrecida:
Onde pode acolherſe hum fraco humano,
Onde terà ſegura a curta vida?
Que não ſe arme, & ſe indigne o Ceo ſereno.
Contra hum bicho da terra tam pequeno.
Fim.
Canto Segundo
Ia neſte tempo o lucido Planeta,
Que as horas vay do dia diſtinguindo,
Chegaua aa deſejada, & lenta Meta,
A luz Celeſte aas gentes encobrindo:
E da caſa maritima ſecreta,
Lhe eſtaua o Deos Nocturno a porta abrĩdo:
Quando as infidas gentes ſe chegárão
Aas naos, que pouco auia que ancorarão
Dantre elles hum que traz encomendado,
O mortifero engano, aſsi dezia.
Capitão valeroſo, que cortado
Tens de Neptuno o reyno, & ſalſa via,
O Rei que manda eſta Ilha, aluoraçado
Da vinda tua tem tanta alegria,
Que nam deſeja mais que agaſalharte,
Verte, & do neceſſario reformarte.
E porque eſtà em eſtremo deſejoſo
De te ver, como couſa nomeada,
Te roga que de nada receoſo,
Entres a barra, tu com toda armada:
E porque do caminho trabalhoſo,
Traras a gente debil, & canſada,
Diz que na terra podes reformala,
Que a natureza obriga a deſejada,
E ſe buſcando vas mercadoria,
Que produze o aurifero Leuante,
Canella, Crauo, ardente eſpeciaria,
Ou Droga ſalutifera, & preſtante:
Ou ſe queres luzente pedraria,
O Rubí fino, o rigido Diamante:
Daqui leuaras tudo tam ſobejo.
Com que faças o fim a teu deſejo:
Ao menſageiro o Capitão reſponde,
As palauras do Rei agradecendo,
E diz que porque o Sol no mar ſe eſconde,
Não entra pera dentro obedecendo,
Porem que como a luz mostrar por onde
Va ſem perigo, a frota não temendo,
Comprirà ſem receio ſeu mandado,
Que a mais por tal ſenhor eſtà obrigado.
Perguntalhe deſpois, ſe estão na terra
Chriſtãos, como o Piloto lhe dezia,
O menſageiro aſtuto que não erra,
Lhe diz, que a mais da gẽte em Chriſto cria:
Deſta ſorte do peito lhe desterra
Toda a ſoſpeita, & cauta fantaſia:
Por onde o Capitão ſeguramente,
Se fia da infiel, & falſa gente.
E de algũs que trazia condenados,
Por culpas, & por feitos vergonhoſos
Porque podeſſem ſer auenturados,
Em caſos deſta ſorte duuidoſos.
Manda dous mais ſagazes, enſaiados,
Porque notem dos Mouros enganoſos,
A Cidade, & poder, & porque vejão,
Os que Chriſtãos, que ſo tanto ver deſejão.
E por eſtes ao Rei preſentes manda,
Porque a boa vontade que moſtraua,
Tenha firme, ſegura, limpa, & branda,
A qual bem ao contrario em tudo eſtaua.
Ia a companhia perfida, enefanda
Das naos ſe deſpedia, & o mar cortaua,
Foram com geſtos ledos, & fingidos,
Os dous da frota em terra recebidos.
E deſpois que ao Rei apreſentàrão,
Co recado os preſentes que trazião,
A Cidade correrão, & notarão
Muito menos daquillo que querião,
Que os Mouros cauteloſos ſe guardarão
De lhe moſtrarem tudo o que pedião.
Que onde reina a malicia, eſtà o receio
Que a faz imaginar no peito alheio.
Mas aquelle que ſempre a mocidode
Tem no roſto perpetua, & foy naſcido
De duas mãis: que vrdia a falſidade,
Por ver o nauegante deſtruydo:
Eſtaua nũa caſa da Cidade,
Com roſto humano, & habito fingido
Moſtrandoſe Chriſtão, & fabricaua
Hum altar ſumptuoſo que adoraua.
Ali tinha em retrato affigurada
Do alto & Sancto ſpirito a pintura,
A candida Pombinha debuxada,
Sobre a vnica Fenix virgem pura,
A companhia ſancta eſtà pintada,
Dos doze tam toruados na figura,
Como os que, ſo das lingoas que cayrão,
De fogo, varias lingoas referirão.
Aqui os dous companheiros conduzidos,
Onde com este engano Baco estaua
Poem em terra os giolhos, & os ſentidos
Naquelle Deos, que o mundo gouernaua
Os cheiros excellentes produzidos,
Na Panchaia odorifera queimaua
O Thioneû, & aſsi por derradeiro
O falſo Deos adora o verdadeiro.
Aqui forão denoite agaſalhados,
Com todo o bom, & honeſto tratamento
Os dous Chriſtãos, nam vendo que enganado
Os tinha o falſo, & ſancto fingimento:
Mas