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um chá, foi explorar o seu escritório privado.

      Depois do telefonema de Nigel, tinha medo do que podia encontrar. Queria enfrentar-se ao passado e pôr-lhe um fim. Sentou-se frente à mesa de vidro e inox, onde se via um buraco vazio que teria sido ocupado pelo seu portátil, destroçado no acidente. À sua volta havia revistas e pastas ordenadas e empilhadas. Desejou desarrumar um pouco. Era tudo demasiado perfeito.

      À frente da mesa havia um sofá de cabedal vermelho e uma mesinha de café de vidro e inox. Nas paredes havia vários cartazes publicitários e anúncios de revistas emoldurados. Imaginava que seriam campanhas desenhadas por ela. A sua família tinha-lhe dito que era sócia de uma bem-sucedida agência de publicidade da Madison Avenue.

      Ficou ansiosa ao perceber que não se lembrava nem das imagens nem das estratégias de marketing que as teriam inspirado. Só pensou que gostava do vestido de uma das modelos.

      Sem quaisquer memórias, ia precisar de uma nova carreira, e depressa. Sobretudo se Will se fosse embora, como tinha planeado inicialmente; e se o tivesse magoado tanto como ele dizia, não poderia culpá-lo por isso. Falar com Nigel tinha-lhe demonstrado que queria tentar de novo com Will. Queria que ele ficasse e não só pela questão financeira.

      No entanto, saber que ele tinha um pé na porta não a motivava a investir muito na relação. Dessa vez podia ser ela a acabar ferida.

      Começou a folhear um documento sobre campanhas e clientes, em parte por curiosidade, em parte na esperança de se lembrar de alguma coisa. Mas nem sequer percebia a linguagem publicitária, de modo que o pôs de lado.

      Abriu uma gaveta da mesa. Na parte da frente havia material de escritório, na parte de trás um monte de envelopes. Cynthia tirou-os e viu que eram dirigidos a ela. Alguns carimbos dos correios eram de há quase um ano.

      Escolheu o mais antigo, tirou a carta e começou a ler. Era uma carta de amor de Nigel, manuscrita, em que lhe explicava que o correio eletrónico lhe parecia frio e impessoal e preferia escrever-lhe em papel. Imaginou que teria guardado as cartas pelo seu valor sentimental.

      Cynthia suspirou. Sabia que tivera uma aventura, mas ter que enfrentar à evidência desconcertava-a. Descobriu que ele era um artista que tentava vingar, que o tinha conhecido numa galeria de arte. Depois, tinham combinado para almoçar, passado fins de semana juntos alegando viagens de negócios e aproveitado as longas horas de trabalho de Will vendo-se, inclusive, ali em casa.

      As cartas eram mais românticas do que esperava. Não sabia o que ela lhe tinha respondido, mas pareciam apaixonados. A história não encaixava minimamente com o que lhe diziam de si mesma. Como é que uma miúda rica da alta sociedade podia apaixonar-se por um artista pobretanas do Bronx? Teria estado a usar Nigel, ou teria vergonha de aparecer com ele em público? A sua família nunca aprovaria a relação. Perguntou-se se pretenderia ter o melhor dos dois mundos sendo amante de Nigel e casando com Will.

      Cynthia sentiu náuseas. Já não queria lembrar a verdade da sua vida passada, queria erradicá-la.

      Pôs as cartas num monte e continuou a vasculhar. Todo e qualquer registo digital da sua relação tinha desaparecido com o seu telemóvel e o seu computador portátil no acidente. Quando substituísse o equipamento, purgaria qualquer coisa que tivesse ficado nas suas contas e pediria um novo número de telemóvel, desconhecido para Nigel. Num dossier encontrou uma pasta com cartões do Dia dos Namorados e de aniversários, nenhum deles era de Will. Acrescentou-os ao monte, junto com algumas fotos de Cynthia com um homem loiro que não reconhecia. Pareciam estar muito melosos, de modo que decidiu livrar-se delas.

      Quando Anita chegou, Cynthia tinha um monte de coisas para destruir. Saiu para cumprimentar a mulher cheiinha e com o cabelo grisalho, que já estava a limpar o pó na sala.

      – Senhorita Dempsey – a mulher sorriu, ainda que não com muito carinho. – Fico contente por vê-la de volta a casa. Vou tentar não a incomodar.

      – Por favor, chame-me Cynthia – disse ela. Pelos visto a empregada também não gostava muito dela. – E não me incomoda nada, é bom ter cá mais alguém. Se puder ajudar com alguma coisa, diga-me. Não gosto de estar sentada enquanto trabalha.

      – Obrigada, senhorita Dempsey – Anita tentou disfarçar a sua surpresa, sem sucesso. – Precisa de alguma coisa?

      – Tenho frio. Gostaria de me deitar no sofá com um livro. Seria possível acender a lareira? – perguntou. O fogo era a melhor maneira de se livrar do que não queria.

      Nesse sábado esteve um dia muito agradável. A temperatura rondava os vinte graus. Will tinha começado a manhã a trabalhar no seu escritório, mas sentiu-se culpado ao ver a Cynthia a percorrer o apartamento sem rumo.

      Antes do acidente, tinha adquirido o hábito de se concentrar no trabalho para evitá-la mas, pela primeira vez em muitos meses, tinha vontade de passar mais tempo com ela. Atraía-o demasiado.

      Fechou o computador e saiu do escritório. Encontrou-a no sofá, com um romance na mão.

      – O que estás a ler? – perguntou.

      – Um livro que comprei ontem na loja da esquina. Estou a adorar.

      Will assentiu, tentando disfarçar a sua surpresa. Sabia que Cynthia se preocupava quando percebia que estava a fazer alguma coisa fora do normal. Ele preferia que não se apercebesse das diferenças; até porque gostava mais da nova Cynthia do que a de antes.

      – Está um dia lindo. Apetece-te sair e ir dar uma volta pelo parque? – Will sentiu-se ainda mais culpado ao ver que o rosto dela se iluminava como o de uma criança com um gelado.

      – Tenho de mudar de roupa? – perguntou Cynthia.

      Will não tinha reparado no que tinha vestido. Outra surpresa: calças de ganga escuras e justas, botins cinzentos e uma suave camisola cinzenta que lhe caía sob das ancas. Em cima tinha posto um cinto cor-de-rosa escuro e ainda tinha umas pulseiras largas a combinar.

      – Caramba, cor-de-rosa – comentou ele.

      – Decidido que o cor-de-rosa é a minha cor favorita – disse ela, acariciando o cinto. – Gostas?

      Cynthia tinha comprado aquele cinto só para uma festa benéfica de estilo anos oitenta mas, de repente, parecia adorar. Era óbvio que desfrutava a combinar peças de roupa. Tinha o cabelo solto e ondulado e o rosto sem maquilhagem. Estava linda.

      – Estás bem assim. Consegues andar com essas botas?

      – Acho que sim – levantou-se e deu uns passos. – São muito confortáveis e estou bem mais forte graças aos meus passeios diários.

      Will tirou um casaco leve do armário e saíram. Desceram de elevador e cumprimentaram o porteiro, que lhes abriu a porta.

      Não demoraram a chegar ao Central Park e a ficarem rodeados pelo bosque de vermelhos, laranjas e dourados outonais. O outono em Manhattan sempre fora a época favorita de Will.

      – Adoro o outono – disse Cynthia. – Acho que esta é a minha época favorita do ano... Mas como não me lembro muita das outras três estações, vou reservar-me a decisão, por enquanto.

      Will sorriu e tirou o telemóvel, que já tinha tocado várias vezes desde que tinham saído de casa. Começou a ler as mensagens, mas não demorou a sentir Cynthia a puxar-lhe do braço.

      – Vamos ver se gosto dos cachorros quentes – disse, apontando para uns carrinhos.

      Will fechou o telemóvel. O entusiasmo dela por uma coisa tão simples como um carrinho de cachorros quentes era contagiante, de modo que decidiu acompanhá-la.

      Pediram dois refrescos e dois cachorros. Ele com chucrute e mostarda; ela com ketchup, mostarda e cornichons. Procuraram um banco e sentaram-se para saborear o seu almoço.

      Tinha comido metade do seu cachorro quando olhou para Cynthia e viu que ela já tinha acabado e estava a limpar o canto da boca.

      – Queres outro? – ofereceu-lhe.

      –

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