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Não passei muito tempo, nenhum tempo se for sincero, em terapias impostas, mas o caráter profissional desta experiência era, como é natural, o que mais me importava – acrescentou Matteo.

      A tempestade do fim da primavera açoitava as janelas, chegava do canal e ameaçava inundar a praça de São Marcos como costumava fazer no outono e no inverno. Essa ameaça de inundação refletia perfeitamente o estado de espírito de Matteo, mas a mulher que tinha à frente limitava-se a esboçar um sorriso tão imperturbável como a chuva que batia contra os vidros.

      – Entendo a resistência a este tipo de terapias ou a qualquer tipo de terapia. Talvez o melhor seja ir diretamente à questão.

      Estava sentada numa poltrona antiga de costas altas que ele sabia, por experiência própria, que era incomodíssima, mas que parecia feita à medida dela, que examinou as notas que tinha numa pasta de couro que levantava como uma arma à frente dela.

      – É o presidente e diretor-executivo das Indústrias Combe, correto?

      Matteo vestira-se de uma forma informal para essa entrevista ou sessão, como ela se empenhava em chamá-la. Nesse momento, arrependia-se. Teria preferido o conforto de um dos seus fatos exclusivos para se recordar que não era um preguiçoso tirado da rua. Era Matteo Combe, o filho mais velho e herdeiro, contrariado, da fortuna dos San Giacomo e da empresa multinacional que os antepassados tenazes do pai tinham criado do zero há muito tempo nas cidades industriais do norte de Inglaterra.

      A sua secretária insistira que tinha de… se humanizar. Naturalmente, o problema era que Matteo nunca tivera muito jeito para ser humano. Não tivera muita prática com a família, com a mãe escandalosa e negligente e o pai ciumento, agressivo e seguro de si próprio e com as cenas que faziam.

      Fez um esforço para esboçar um sorriso, algo em que também não tinha muita prática.

      – Era presidente antes de o meu pai morrer. Tinha estado a formar-me para que ocupasse o seu lugar durante algum tempo. – Na verdade, desde que nascera, mas não o disse. – Tornei-me diretor-executivo depois de ele morrer.

      – E decidiu assinalar a data do seu falecimento lutando com um dos presentes no enterro, com um príncipe, ainda por cima.

      O sorriso dele congelou.

      – Naquele momento, não importava quem era. Só sabia que era a pessoa que engravidou e abandonou a minha irmã.

      Sarina voltou a verificar as notas e virou as páginas com uma firmeza que irritou Matteo, que o irritou mais, melhor dizendo.

      – Refere-se à sua irmã Pia, alguns anos mais nova do que o senhor, mas que é, para todos os efeitos, uma mulher adulta que, em teoria, pode decidir ter um filho se quiser.

      Matteo olhou para a mulher que estava sentada naquela poltrona onde o avô o sentava quando achava que tinha de lhe ensinar um pouco de humildade. Naturalmente, ele também tinha um relatório dela. Sarina Fellows nascera e fora criada em São Francisco e destacara-se numa das escolas privadas mais relevantes da cidade. Estudara primeiro em Berkeley e, depois, em Stanford e, em vez de exercer como psiquiatra, abrira a sua própria consultoria. Naquele momento, viajava por todo o mundo e assessorava as empresas que precisavam de perfis psicológicos dos diretores.

      Matteo era a sua vítima mais recente.

      Batera nesse príncipe que engravidara e abandonara Pia, algo de que não se arrependia. A sua maninha era a única integrante da família que adorara incondicionalmente, embora muitas vezes à distância, e era a herdeira de duas grandes fortunas. Era um alvo para caçadores de fortunas sem escrúpulos e, aparentemente, para príncipes. Repeti-lo-ia com muito prazer, mas fizera-o à frente dos paparazzi e alegrara-lhes o dia.

      Tinham dito que tal pai, tal filho e, poucos dias depois da sua morte, tinham falado dos escândalos abundantes e zangas do seu falecido pai, para o caso de alguém ter estado tentado a esquecer quem fora Eddie Combe. Tinham bastado quatro notícias depreciativas para que a imprensa sensacionalista começasse a questionar-se se ele era a pessoa indicada para gerir a maldita empresa.

      Não tivera outro remédio senão ceder às exigências do seu afetado conselho de administração. Um a um, tinham afirmado que nunca tinham visto algo parecido. Algo que era uma mentira descarada, pois todos tinham sido nomeados por Eddie, que fora conflituoso por natureza.

      No entanto, Eddie estava morto e era algo que continuava a ser difícil de acreditar. Desaparecera essa energia e fúria e ele tinha de tirar «boas notas» com a médica por causa do seu comportamento no enterro do pai ou arriscava-se a um voto de censura.

      Poderia ter esmagado a moção calmamente, mas sabia que a empresa estava a passar por um momento de transição. Se queria gerir, não ameaçar, mentir e atacar, que fora o que o pai fizera durante toda a sua vida, tinha de começar com bom pé. Sobretudo, quando sabia o que mais os testamentos dos seus pais escondiam.

      – A minha irmã é ingénua – comentou Matteo. – Foi criada para que não soubesse grande coisa do mundo e muito menos dos homens. Receio que não goste que se aproveitem da sua forma de ser.

      Sarina mexeu-se ligeiramente na poltrona e olhou fixamente para ele, como se fosse uma experiência científica. As mulheres não costumavam olhar assim para ele e não podia dizer que gostasse muito. Sobretudo, quando não pôde evitar perceber que a médica era bastante bonita. Tinha umas pernas esbeltas e suaves e era muito tentador imaginá-las por cima dos seus ombros enquanto a penetrava…

      Tinha de se concentrar.

      Sabia o suficiente sobre ela para imaginar que não gostaria do que estava a pensar. Sabia que criara a consultoria do zero e que era implacável e decidida, duas qualidades que ele também tinha e que costumava apreciar nos outros. Ainda que, talvez, não nesse caso, quando essa firmeza penetrante como uma faca era dirigida contra ele.

      – Parece que viu um fantasma – comentou ela, quase sem lhe dar importância. – Viu?

      – Numa casa como esta, há fantasmas por todos os lados – replicou Matteo, com inquietação.

      Não era a ideia dos fantasmas que o inquietava, mas a sensação estranha que o dominava, a ideia de que conhecia aquela mulher quando sabia que não era assim. Afastou essa sensação.

      – As salas estão cheias dos meus antepassados – continuou Matteo. – Tenho a certeza de que mais do que um se diverte a pregar sustos, mas não posso dizer que me tenham incomodado. Fique a dormir cá, se quiser, e talvez seja visitada por um fantasma…

      – Não seria mau, já que não acredito nos fantasmas – replicou ela, inclinando a cabeça. – O senhor acredita?

      – Se acreditasse, não lhe diria. Não gostaria de chumbar no seu exame.

      – Não é um exame, senhor Combe. São conversas, mais nada. Entenderá que os seus acionistas e diretores não tenham gostado desse comportamento violento e antissocial que mostrou no enterro.

      Ele encolheu os ombros com uma despreocupação que nunca sentira.

      – Estava a proteger a minha irmã.

      – Se não se importar, ajude-me a entender a sua forma de pensar. – Sarina apoiou um cotovelo no braço da poltrona e tocou no queixo com alguns dos seus dedos compridos e elegantes. – A sua irmã está grávida de seis meses e, segundo todos os relatórios, não tem a mínima incapacidade. As minhas indagações sobre a Pia indicam que é uma mulher bem formada, viajada e independente. Mesmo assim, sentiu uma necessidade arcaica de a defender e de o fazer de uma forma brutal.

      – Sou brutal, infelizmente. – Matteo não soube porque essa palavra ardera como uma chama dentro dele, embora talvez gostasse de ter a mão no seu queixo, como o dedo dela. – Suspeito que seja uma consequência natural de ter sido criado numa família… histórica.

      – Senhor Combe, todas as famílias são históricas por definição, chama-se gerações. O singular é a sua história, com casas venezianas e pretensões de nobreza. – Pareceu-lhe

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