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família, lady Gabriella Frechette procurava aparentar serenidade, o que não era fácil pois ouvira vários comentários a respeito do barão DeGuerre, poucos deles agradáveis.

      Os homens chamavam-no de «filho do demónio» e outras expressões não exactamente lisonjeiras. Ninguém sabia de onde é que o barão surgira. Ele destacava-se pelo facto de vencer todos os torneios nos quais participava; recebera o título ao aliar-se a William Marshal, e fizera fortuna ao casar-se, por duas vezes, com mulheres nobres e ricas, bem mais velhas do que ele.

      A sua ambição desmedida era conhecida por todos, bem como o rigor do regime que impunha aos seus numerosos arrendatários.

      Na opinião das mulheres, a combinação da força física do barão DeGuerre com a sua arrogância e o ar distante eram irresistíveis. Viúvo pela segunda vez, ele escolhera como concubina a mais bela mulher de toda a Inglaterra, e vivia com ela em pecado mortal, sem se preocupar em fazer segredo.

      Gabriella cerrou os punhos com força, dentro das mangas largas do vestido simples, tecido em casa, numa tentativa de controlar o tremor das mãos, quando um grito soou no alto das muralhas do castelo. O séquito do barão fora avistado no alto da colina.

      O que é que aconteceria ao seu povo, sob o domínio de um homem como o barão DeGuerre?, pensou Gabriella, observando a multidão em expectativa. Ela apertou levemente os lábios, contrafeita, ao avistar Robert Chalfront, o meirinho que administrava o castelo, a andar de um lado para outro, apressado, certificando-se de que estava tudo em ordem para receber o barão, as suas tropas e servos. Era óbvio que alguns não sentiriam efeitos desfavoráveis. Chalfront faria o que fosse necessário para manter a sua posição privilegiada, e Gabriella perguntava-se como reagiria o barão à atitude servil do meirinho; se conseguiria ver o embusteiro mentiroso e desonesto que espreitava atrás da máscara de subserviência e adulação.

      Desviando o olhar do insuportável meirinho, ela prestou atenção a William, o capataz do condado, que se encontrava ao lado de Osric, o cavaleiro, e Brian, o lenhador. Os três conversavam baixinho e lançavam olhares disfarçados e apreensivos na sua direcção.

      O pai de Gabriella passara-lhe a noção da necessidade de se preocupar com os arrendatários, e os camponeses sempre apreciaram a generosidade do soberano e da sua família. A morte da mãe de Gabriella, anos antes, também fora sentida por todos, desde os cavaleiros do castelo até ao mais pobre camponês que preambulava pelas redondezas, a pedir esmolas.

      Os cavaleiros, obviamente, já tinham partido. Começaram a deixar o castelo, um a um, a princípio, depois em grupos, após a morte do conde. Eles precisavam de encontrar outro senhor que lhes oferecesse abrigo e comida, em troca de lealdade.

      A ponte levadiça foi descida e os enormes portões abriram-se para dentro. A multidão ansiosa olhou para a entrada no momento em que um turbulento cortejo entrou no pátio do castelo Frechette.

      Apesar de Gabriella ter decidido ser forte, os seus joelhos começaram a tremer e a sua boca ficou seca; a sua atenção foi imediatamente atraída para o homem montado num saltitante cavalo negro, à frente do séquito. Ela já ouvira comentários sobre a aparência do barão, os cabelos longos, o rosto bonito; aquele homem alto, com um ar autoritário, não podia ser outro.

      Os cachos castanhos tocavam-lhe nos ombros largos e o rosto estava barbeado. Ele tinha a postura de um guerreiro nato, e parecia um dos bárbaros celtas que ainda preambulavam pelas fronteiras do país. Trajava uma capa preta sobre uma túnica da mesma cor; as botas eram de couro, bem como o cinturão que sustentava a bainha da espada. O único ornamento que ele usava era um broche, a prender a capa ao redor do pescoço, e Gabriella notou que o cabo da espada também era de ouro trabalhado.

      De modo geral, o barão DeGuerre possuía uma aura de invencibilidade e completo controlo de qualquer situação. Atrás dele, vinham os cavaleiros, montados em cavalos enfeitados com vestes coloridas. O metal das armas e armaduras brilhava ao sol. Inúmeros estandartes, empunhados por escudeiros a cavalo, agitavam-se na brisa suave de Outono. A seguir, vinham os soldados infantes e os cães de caça. E atrás, várias carroças com bagagens que encheram o pátio interno, parecendo transformá-lo numa verdadeira praça de mercado, tamanha a quantidade de gente e o tumulto.

      O barão desmontou do seu formoso cavalo e caminhou até ao centro do pátio. Surpreendentemente, ele não parecia altivo, ou orgulhoso, apenas indiferente à comoção que sentia à sua volta. Gabriella teve a impressão de que ele era um homem solitário, no meio da multidão. Tanto quanto ela se sentira, no dia da morte do pai.

      O barão girou lentamente sobre os calcanhares, estudando o castelo como se fosse um negociante disposto a oferecer o preço mínimo, e Gabriella lembrou-se do motivo que o levara até ali.

      Ao contemplar a construção que circundava o pátio, o coração de Gabriella encheu-se de orgulho daquele monumento dos seus pais, um orgulho que quase superava a dor de saber que um homem como o barão DeGuerre se apossaria da propriedade. Para ele, aquele lugar não passava de uma simples fortaleza.

      Mas o castelo possuía outros pontos fortes, além de ser uma construção sólida. Era uma obra arquitectónica de beleza singular. O pai de Gabriella não se contentara com as utilidades normandas, quando se tratava do conforto da sua família; ele decorara e embelezara o castelo, fazendo questão de utilizar os mais finos materiais. As molduras de pedra de todas as portas e as passagens eram lindamente esculpidas, e até mesmo a lareira de pedra da cozinha fora decorada com formas de frutas e filões de pão trançados. A capela situada na torre norte exibia um magnífico vitral, e o solário do seu pai, na torre sul, recebia a iluminação do dia através de três janelas de vidro. Os aposentos do andar superior ao salão principal eram espaçosos, revestidos de madeira. As paredes do salão tinham sido estucadas e pintadas, de forma que, mesmo sem as tapeçarias, eram lindas de se ver. Todos os muros de pedra externos do castelo tinham sido caiados e, naquele princípio de tarde de Setembro, brilhavam à luz do sol, como se fossem feitos do mesmo mármore alvo que revestia o piso do dormitório dos pais de Gabriella.

      Antes que Gabriella desviasse o olhar, os olhos do barão detiveram-se nela. Ela prendeu a respiração, e o seu corpo inteiro retesou-se. Com os membros entorpecidos, ela notou que o rosto do barão não denotava prazer ou desaprovação, orgulho ou desprezo. Na verdade, Gabriella nunca observara uma expressão tão indecifrável. Ele limitava-se a olhar ao redor, os cabelos longos e a túnica comprida agitados suavemente pela brisa.

      Por um momento, os olhares de ambos encontraram-se, e Gabriella sentiu que enrubescia. O barão, no entanto, sem demonstrar qualquer emoção, continuou a examinar o castelo.

      Gabriella acalentara a esperança de que os rumores sobre o barão DeGuerre fossem exagerados e de que tivesse oportunidade para lhe pedir que a deixasse continuar a morar no único lar que conhecera. No seu desespero, chegara mesmo a imaginar que o barão aceitaria a sua ajuda e conselhos, uma vez que ela conhecia a fundo o castelo, as terras e os arrendatários.

      Naquele instante, contudo, Gabriella compreendeu, com profundo desalento, que a sua esperança fora vã.

      Com uma voz grave e desprovida de emoção, o barão começou a emitir ordens aos servos, escudeiros e cavaleiros, para que atrelassem os cavalos e descarregassem as bagagens. Tinha vários cavaleiros, alguns deles obviamente mais importantes que outros, e a atenção de Gabriella deteve-se nos quatro que tinham entrado a cavalgar ao lado do barão, dois de cada lado. Um deles era um homem de pele lisa e lustrosa, cabelos escuros e compridos como os do barão, com a diferença de que os usava puxados para trás; tinha um rosto bonito, apesar de pálido, e olhos estreitos e astutos, com sobrancelhas escuras e espessas; o sorriso era desdenhoso, arrogante, e as vestes e acessórios da melhor qualidade. Gabriella perguntou-se se a posição favorecida daquele cavaleiro no séquito significava que ele exercia alguma influência sobre o barão. Que os céus tivessem misericórdia dos seus arrendatários, se a sua suposição fosse correcta!

      Ao lado dele, cavalgava um homem loiro, vestido numa túnica vermelha. À primeira vista, Gabriella teve a impressão de que não passava de um rapazinho, apesar da inegável força física. No entanto, quando o cavaleiro desmontou, ela notou que ele

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