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pairava vinte andares acima das suas cabeças. Próximo do local onde se encontravam estava um edifício industrial de tijolo abandonado com duas chaminés. As janelas partidas eram buracos negros semelhantes a olhos mortos. O edifício estava rodeado por uma vedação de arame farpado com sinais afixados a cada 10 metros: NÃO ENTRAR. A vedação exibia um buraco visível. A área à volta do edifício estava coberta de arbustos e ervas altas.

      Observou Ezatullah e Momo. Ezatullah descascava um dos grandes decalques magnéticos da Dun-Rite Laundry Services. De seguida, levou-o até à beira da água e arremessou-o. Depois descascou o outro lado. Eldrick nunca pensou que os sinais pudessem ser retirados. Entretanto, Momo ajoelhou-se em frente à carrinha com uma chave de fendas para remover a matrícula e substituí-la por outra. Logo a seguir, dirigiu-se às traseiras do veículo e repetiu a operação.

      Ezatullah gesticulou na direção da carrinha. “Voilá!” Exclamou. “Um veículo completamente diferente. Apanha-me agora, Tio Sam.” O rosto de Ezatullah emanava um brilho púrpura suado. Parecia estar a ficar com pieira. Os olhos estavam injetados de sangue.

      Eldrick olhou em redor. O estado físico de Ezatullah tinha-lhe dado uma ideia. A ideia surgira repentina como um relâmpago e desaparecera tão subitamente como surgira. No fundo, era a forma mais segura de se pensar. Algumas pessoas pareciam ter a capacidade de ler os pensamentos através do olhar.

      “Onde estamos?” Perguntou.

      “Em Baltimore,” Respondeu Ezatullah. “Outra das tuas grandes cidades americanas. E um lugar agradável para se viver, imagino. Baixo índice de criminalidade, belezas naturais e cidadãos saudáveis e ricos, motivo da inveja de todos.”

      Eldrick tinha delirado durante a noite. Tinha desmaiado mais do que uma vez. Tinha perdido a noção do tempo e de onde estavam, mas não podia imaginar que tinham andado tanto.

      “Baltimore? Porque é que estamos aqui?”

      Ezatullah encolheu os ombros. “Estamos a caminho do nosso destino.”

      “O alvo está aqui?”

      Agora Ezatullah sorria. Um sorriso não condizente com o seu rosto contaminado pela radiação. Parecia a própria morte. Aproximou-se com uma mão trémula e deu uma palmada amigável no ombro de Eldrick.

      “Peço desculpa se me descontrolei contigo, meu irmão. Fizeste um bom trabalho. Entregaste tudo o que prometeste. Queira Alá que ainda hoje chegues ao paraíso. Mas não pela minha mão.”

      Eldrick limitou-se a olhar fixamente para ele.

      Ezatullah abanou a cabeça. “Não. Baltimore não. Vamos viajar para sul para perpetrarmos um ataque que alegrará as multidões que sofrem um pouco por todo o mundo. Vamos entrar no covil do Diabo em pessoa e cortar a cabeça da besta com as nossas próprias mãos.”

      Eldrick sentiu um arrepio a percorrer-lhe o corpo. Os braços ficaram eriçados com pele de galinha. Reparou que a sua t-shirt estava alagada em suor. Não gostou do que ouviu. Se iam para sul e estavam em Baltimore, então a próxima cidade era…

      “Washington,” Disse.

      “Sim.”

      Ezatullah sorriu novamente. Um sorriso glorioso, como o sorriso de um santo a quem será concedida a entrada nas portas do céu.

      “Corte-se a cabeça e o corpo morre.”

      Era claro para Eldrick. O homem estava louco. Talvez fosse da doença ou talvez fosse outra coisa qualquer, mas uma coisa era certa: ele não dizia coisa com coisa. O plano era roubar o material e abandonar a carrinha no South Bronx. Era um trabalho perigoso, difícil de executar e eles tinham conseguido. Mas quem quer que estivesse à frente da operação, tinha alterado o plano ou tinha-lhes mentido desde o início. Agora viajavam rumo a Washington numa carrinha radioativa.

      Para fazer o quê?

      Ezatullah era um jihadista experiente. Ele tinha que ter a noção de que almejava o impossível. Eldrick sabia que, fosse o que fossem fazer, nem sequer se aproximariam do objetivo. Imaginou a carrinha, cravejada com buracos de balas, a 300 metros da Casa Branca ou do Pentágono ou da vedação do Capitólio.

      Isto não era uma missão suicida. Nem sequer era uma missão. Era uma afirmação política.

      “Não te preocupes,” Tranquilizou-o Ezatullah. “Tens que estar feliz. Foste escolhido para a maior das honras. Vamos conseguir mesmo que não consigamos imaginar como. Tudo se vai tornar claro a seu tempo.” Virou-se e abriu a porta lateral da carrinha.

      Eldrick relanceou Momo. Estava a terminar o trabalho de substituição da matrícula. Momo já não falava há algum tempo. Se calhar também não se sentia muito bem.

      Eldrick recuou um passo para trás. Depois outro. Ezatullah estava ocupado com algo no interior da carrinha de costas voltadas para Eldrick. Podia não surgir outra oportunidade igual. Eldrick estava num vasto terreno aberto sem ninguém a olhar na sua direção.

      Eldrick fora atleta de pista na secundária. E era bom. Lembrava-se das multidões dentro da 168th Street Armory em Manhattan, as classificações no placard, o sinal de partida a disparar. Lembrava-se da sensação de nó no estômago antes da corrida, da velocidade louca na pista nova, gazelas negras e magras a correr, a arrancar de cotovelos elevados, a correrem tão velozmente como num sonho.

      Desde essa altura que Eldrick não voltara a correr tão rapidamente mas quem sabe, uma explosão de energia e um objetivo definido, não pudessem ajudar a alcançar a velocidade de outrora. Não valia a pena hesitar ou pensar muito no assunto.

      Virou-se e foi-se embora.

      Um segundo depois ouviu a voz de Momo:

      “EZA!”

      Depois qualquer coisa dita em Farsi.

      O edíficio abandonado estava à sua frente. A doença regressava em força. Sentiu sangue a escorrer-lhe na t-shirt mas continuou a correr. Já estava sem fôlego.

      Ouviu um barulho semelhante ao de um agrafador. Ecoou frouxamente contra as paredes do edíficio. Claro que Ezatullah estava a disparar. E a arma tinha um silenciador.

      Uma picada aguda atingiu as costas de Eldrick. Caiu no chão, esfolando os braços no asfalto em ruínas. Um milésimo de segundo depois, novo tiro soou. Eldrick levantou-se e continuou a correr. A vedação estava mesmo à sua frente. Virou-se e dirigiu-se ao buraco.

      Foi atingido por outra picada. Caiu para a frente e agarrou-se à vedação. Toda a força parecia agora esvair-se das pernas. Ficou ali pendurado, agarrado apenas aos elos do arame.

      “Mexe-te,” Disse num tom esganiçado. “Mexe-te.”

      Caiu de joelhos, forçou a vedação destruída e rastejou no buraco. Estava atolado em erva alta. Pôs-se de pé, tropeçou em algo que não conseguia ver e rebolou para um aterro. Nem tentou parar de rebolar. Deixou simplesmente que o ímpeto o conduzisse até ao fundo.

      Por fim, parou, respirando com intensidade. A dor nas costas era insuportável. O rosto estava enterrado na lama. O lugar era húmido, lamacento e estava mesmo na margem do rio. Se quisesse podia deixar-se cair nas águas negras mas preferiu rastejar mais profundamente no matagal. O sol ainda não tinha nascido. Se ali ficasse, se não se mexesse e são emitisse um som, podia ser que conseguisse…

      Levou uma mão ao peito. Os dedos ficaram cobertos de sangue.

*

      Ezatullah estava junto ao buraco da vedação. O mundo girava em seu redor. Ficara atordoado só de correr atrás de Eldrick.

      A sua mão segurou num elo da vedação ajudando-o a manter-se de pé. Pensou que ia vomitar. Estava escuro naqueles arbustos. Podiam perder uma hora só a procurá-lo ali. Se conseguisse chegar ao grande edifício abandonado, podiam nunca o encontrar.

      Moahmmar estava perto, curvado com as mãos nos joelhos e a respirar com dificuldade. O corpo tremia-lhe. “Devemos entrar?” Perguntou.

      Ezatullah abanou a cabeça. “Não temos tempo. Atingi-o duas vezes. Se a doença não acabar com ele, as balas acabam. Deixa-o morrer aqui sozinho.

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