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porta, que estava sempre aberta, e retomaram a conversa, algo sobre um recente jogo de futebol.

      Rais era bastante versado em alemão, mas as particularidades do dialeto suíço-alemão e a velocidade com que falavam tornava o entendimento confuso, às vezes. Os oficiais do turno diurno geralmente conversavam em inglês, e foi assim que ele recebeu muitas de suas notícias sobre os acontecimentos do lado de fora do seu quarto de hospital.

      Ambos eram membros do Escritório Federal de Polícia da Suíça, que exigia que ele tivesse dois guardas em seu quarto o tempo todo, vinte e quatro horas por dia. Eles revezavam em turnos de oito horas, com uma dupla totalmente diferente de guardas às sextas-feiras e ao fim de semana.

      Sempre havia dois, sempre; se um policial tivesse que usar o banheiro ou comer alguma coisa, primeiro teria que ligar para chamar um dos guardas de segurança do hospital e aguardar a chegada dele. A maioria dos pacientes em sua condição e com esta recuperação provavelmente teria sido transferida para um centro de trauma de nível inferior, mas Rais permaneceu no hospital. Era uma instalação mais segura, com suas unidades trancadas e guardas armados.

      Sempre havia dois. Sempre. E Rais havia determinado que isso poderia funcionar a seu favor.

      Teve muito tempo para planejar sua fuga, especialmente nos últimos dias, quando os níveis de medicação diminuíram e ele pôde pensar com lucidez. Passou por vários cenários em sua cabeça, vários e vários. Memorizou horários e interceptou conversas. Não demoraria muito para que o dispensassem – uma questão de dias, no máximo.

      Tinha que agir, e decidiu que faria isso hoje à noite.

      Seus guardas se tornaram complacentes ao longo das semanas de sentinela do lado de fora de sua porta. Eles o chamavam de —terrorista, e sabiam que era um assassino, mas além do incidente com o Dr. Gerber alguns dias antes, Rais não tinha feito nada além de ficar em silêncio, quase imóvel, e permitir que a equipe cumprisse suas obrigações. Se ninguém estava na sala com ele, os guardas mal prestavam atenção, a não ser ocasionalmente olhavam para ele.

      Não tentou morder o médico por maldade ou malícia, mas por necessidade. Gerber estivera debruçado sobre ele, inspecionando a ferida em seu braço, onde cortara a marca de Amun – e o bolso do jaleco branco do médico roçara os dedos da mão algemada de Rais. Ele pulou, estalando as mandíbulas, e o médico deu um pulo para trás assustado quando os dentes roçaram seu pescoço.

      E uma caneta-tinteiro permaneceu firme no punho de Rais.

      Um dos oficiais de plantão lhe dera um duro soco no rosto e, no momento em que o golpe o acertou, Rais enfiou a caneta sob os lençóis, colocando-a sob a coxa esquerda. Ali ficou por três dias, escondida sob os lençóis, até a noite anterior. Ele havia tirado o objeto enquanto os guardas conversavam no corredor.

      Com uma das mãos, incapaz de ver o que estava fazendo, separou as duas metades da caneta e retirou o cartucho, trabalhando devagar e com firmeza para que a tinta não se derramasse. A caneta era de ponta de ouro de estilo clássico. Ele colocou a metade de volta sob o lençol. A metade de trás tinha um clipe de bolso de ouro, que ele cuidadosamente ergueu e afastou com o polegar até que se soltasse.

      A algema em seu pulso esquerdo permitia um pouco menos de 30 centímetros de mobilidade para seu braço, mas se esticasse a mão até o limite, poderia alcançar os primeiros centímetros do suporte da cabeceira. A mesa era simples, de tábuas de madeira lisa, mas a parte de baixo era áspera como uma lixa.

      No decorrer das exaustivas e dolorosas quatro horas na noite anterior, Rais gentilmente esfregou o clipe da caneta para frente e para trás ao longo da parte inferior da mesa, tomando cuidado para não fazer muito barulho. Com cada movimento, ele temia que o clipe escorregasse de seus dedos, ou que os guardas notassem o movimento, mas seu quarto estava escuro e estavam em profunda conversa. Ele trabalhou e trabalhou até afiar o clipe como uma agulha. Então, o clipe desapareceu sob os lençóis também, ao lado da outra parte.

      Sabia, por meio de trechos de conversas, que haveria três enfermeiras noturnas na unidade, Elena, com outras duas de plantão, se necessário. Elas, além de seus guardas, significavam pelo menos cinco pessoas com quem ele teria que lidar, e no máximo sete.

      Ninguém dentre a equipe médica gostava de atendê-lo, sabendo quem era, então eles verificavam o quarto com uma baixíssima frequência. Agora que Elena tinha feito o que precisava fazer, Rais sabia que teria algo entre sessenta e noventa minutos antes que ela pudesse voltar.

      Seu braço esquerdo estava preso por uma contenção padrão do hospital, o que os profissionais às vezes chamavam de —quatro ponteiros—. Era uma algema azul macia que ficava em volta do pulso com uma cinta de nylon branca justa em volta, a outra extremidade ficava firmemente presa no corrimão de aço da cama dele. Por causa da gravidade de seus crimes, seu pulso direito estava algemado.

      Os dois guardas do lado de fora conversavam em alemão. Rais ouviu atentamente; o da esquerda, Luca, parecia estar reclamando que sua esposa estava engordando. Rais quase zombou; Luca estava longe de ser magro. O outro, um homem chamado Elias, era mais jovem e atlético, mas tomava café em doses que deveriam ser letais para a maioria dos humanos.

      Todas as noites, entre noventa minutos e duas horas em seu turno, Elias telefonava para o guarda noturno para que pudesse se aliviar. Enquanto estava fora, Elias saía para fumar um cigarro, de modo que, com o intervalo do banheiro, significava que geralmente gastaria de oito a onze minutos. Rais passara as últimas várias noites contando em silêncio os segundos das ausências de Elias.

      Era uma janela de oportunidade muito estreita, mas para a qual estava preparado.

      Ele alcançou sob seus lençóis o clipe afiado e segurou-o nas pontas dos dedos de sua mão esquerda. Então, cuidadosamente, jogou-o em um movimento de arco sobre seu corpo. O clipe aterrissou com destreza na palma da mão direita.

      Em seguida, viria a parte mais difícil do seu plano. Ele puxou o pulso para que a corrente da algema estivesse esticada e, enquanto a segurava dessa maneira, torceu a mão e passou a ponta afiada do clipe para dentro do buraco da fechadura ao redor do corrimão de aço.

      Era um movimento difícil e desajeitado, mas havia escapado de algemas antes; sabia que o mecanismo de captura era projetado de modo que uma chave universal pudesse abrir praticamente qualquer algema, e conhecer o funcionamento interno de uma fechadura significava simplesmente fazer os ajustes certos para acionar os pinos lá dentro. Ele teve que manter a corrente esticada, no entanto, para evitar que a braçadeira batesse contra o corrimão e alertasse seus guardas.

      Levou quase vinte minutos, virando-se, fazendo pequenas pausas para aliviar seus dedos doloridos e tentando de novo, mas finalmente a fechadura estalou e a algema se abriu. Rais retirou-a cuidadosamente do corrimão.

      Uma mão estava livre.

      Estendeu a mão e apressadamente soltou a parte esquerda.

      Ambas as mãos estavam livres.

      Ele guardou o clipe sob os lençóis e retirou a metade superior da caneta, segurando-a na palma da mão de modo que apenas a ponta afiada estivesse exposta.

      Do lado de fora de sua porta, o oficial mais jovem se levantou de repente. Rais segurou o fôlego e fingiu estar dormindo quando Elias olhou para ele.

      —Ligue para Francis, certo? Disse Elias em alemão. Eu tenho que mijar.

      –Claro, disse Luca com um bocejo. Ligou para o guarda noturno do hospital, que normalmente estava atrás da recepção no primeiro andar. Rais havia visto Francis muitas vezes; era um homem mais velho, com mais ou menos cinquenta anos, talvez com sessenta e poucos anos, com um corpo magro. Carregava uma arma, mas seus movimentos eram lentos.

      Era exatamente o que Rais esperava. Não queria lutar contra o policial mais novo em seu estado ainda em recuperação.

      Três minutos depois, Francis apareceu de uniforme branco e gravata preta, e Elias correu para o banheiro.

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