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      Um meeting na parvonia / poemeto escripto num canto

I

      Oh! Musa sacripanta dos Vardascas,

      Onzeneira, bulhenta, peralvilha,

      Bachante de bordeis, deusa de tascas,

      De Momo e da Discordia a vêsga filha,

      Empresta-me o teu estro, põe-me em lascas,

      Regateira infernal, vil farroupilha,

      A mente, e, qual fusil na pederneira,

      Accende-m'a com chamma de fogueira.

II

      Preciso de fatal inspiração,

      Não bebida na fonte de Hypocrene,

      Como o enfermo que em grave indigestão

      Carece vomitar, ou tomar séne.

      Acode-me com o estro de febrão,

      Que delire em linguagem torpe, infrene.

      Oh! Musa, qual Medéa ardendo em furias,

      Incita-me ás poeticas luxurias.

III

      Dá-me influxo mordaz, horripilante,

      Como outr'ora abrasou um Aretino,

      Esse fogo infernal, que teve o Dante,

      Ou a graça sequer de Tolentino;

      Mas tu, oh! Musa reles, e farçante,

      Não me entruges o plectro de mofino;

      Se me negas o dar-me engenho e arte,

      Nem mais um decilitro hei de pagar-te.

IV

      E seja o canto meu feroz, medonho,

      Que similhe ao uivar do voraz lobo,

      Ao crocitar dos corvos; enfadonho

      Como o sorrir alvar de informe bobo,

      Que a tratar o assumpto, que proponho,

      Requer-se petulancia, e tal arroubo,

      Que o leitor, deliquido n'um desmaio,

      Me pareça assombrado pelo raio:

V

      —N'um domingo de março, pela estrada

      Que de Arroyos conduz á Panasqueira,

      Vão magotes de povo de ranchada

      A provar o bom vinho, e a petisqueira

      Do louro peixe frito e da salada,

      Que na Perna de Pau a taberneira

      Lhes prepara; e com litros, comesanas,

      De lá voltam com grandes carraspanas.

VI

      Já burbulham as arvores, e as flores

      Engrinaldam os prados de Flora;

      As aves gorgeando os seus amores

      Alternam o chiar da triste nora.

      Correm montes e valles caçadores

      Co'as matilhas de cães, mas em má hora,

      Que as pintadas perdizes e coelhos

      Levam ventos nas azas, nos artelhos.

VII

      O dia estava brusco, e os pardaes

      Chilreiam festejando o solsticio

      Da vital primavera; nos curraes

      Muge a vaca saudosa ao beneficio

      Da pavêa; espirram os catharraes.

      O povo é convidado p'ra um comicio,

      Onde avido concorre p'ra tratar

      D'uma ideia, que ha muito anda no ar.

VIII

      Bôa gente de artistas, operarios,

      Crestada pelas lavas do trabalho,

      Vivendo das migalhas dos salarios

      Que do fisco escaparam; rebotalho

      Condemnado a subir asp'ros calvarios,

      Que busca naipe ser no vil baralho,

      D'onde querem tirar valetes, reis,

      E trumphar co'o direito só das leis.

IX

      Vão anchos, vão alegres na esp'rança

      D'um futuro feliz, que os seus tribunos

      Lhes promettem de ha muito. Essa alliança

      Da justiça e poder, fins opportunos

      Que á força popular lhes affiança

      O livral-os das unhas dos gatunos,

      Que roubando a nação se fazem nobres,

      Vampiros a chupar o sangue aos pobres.

X

      É grande a multidão ali trazida:

      Alguns por curiosos se conduzem,

      A outros a cobiça mais convida,

      Que muitos com promessas se reduzem;

      E quantos com a mente prevenida

      De utopias, que o animo seduzem,

      Com a grata illusão de vir a ser

      Povo e rei de si mesmo no poder.

XI

      Suspenso vê-se á porta da taberna

      Um ramo de loureiro; mais em baixo

      Por symbolo pintaram-lhe uma perna

      E um letreiro:—«Bom vinho do Cartaxo,

      Peixe frito, e as iscas á moderna»;

      E de copo na mão vê se um borracho

      Apontando p'ra a quinta, onde em devesas

      Lá sob os parreiraes estão as mezas.

XII

      A gente á porta embica n'um montão,

      Inquieta formigando n'um bulicio,

      Como em dia de roda ao Campeão

      Concorre por esp'rar o beneficio

      D'uma sorte feliz, d'um alegrão.

      Assim acode ali, e no comicio

      Apanha, triste sorte, muita chuva,

      Muita parra, coitada, e pouca uva.

XIII

      Escolhem d'entre a turda in-continente

      Um quidam consid'rado dos mais doutos,

      Que occupando o logar de presidente

      Ao sentar-se salvou com tres arrotos;

      E com voz mal toada, intermittente,

      Vae fallando, e cuspindo perdigotos;

      Assim impertigado estende a mão:

      «Eu abro, meus senhores, a sessão.»

XIV

      E logo sobre um banco alevantado

      Um homem vocifera, gesticula,

      Os ministros ataca, e de zangado,

      Em verrina, que mais descamba em chula,

      Invectiva o imposto, e o tratado

      Que aprovára das côrtes a matula.

      —Embora, oh! patria minha, luctes, arques;

      Não consintas vender Lourenço Marques!

XV

      «São justas nossas queixas, continua

      O fogoso orador: heis de soffrer

      Um inepto governo, que pactua

      Co'a deshonra, e que falta ao seu dever?

      Que

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