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      O Autor

      Lima Barreto foi um dos maiores escritores brasileiros, considerado o principal antecedente do modernismo. É filho do tipógrafo João Henriques de Lima Barreto e da professora Amália Augusta Barreto. Nasceu no Rio de Janeiro, em 13 de maio de 1881 e quando criança estudou no Colégio D. Pedro II. Mais tarde, com a ajuda do padrinho Visconde de Ouro Preto, estudou também no Liceu Popular Niteroiense, frequentado pela elite carioca do período. Em 1897, com dezesseis anos, entrou para a Escola Politécnica de Engenharia, onde mais tarde abandonaria o curso de Mecânica em favor da dedicação exclusiva a literatura.

      Desde que deixou a Escola Politécnica, o meio de subsistência do jovem Lima Barreto foi o jornalismo, associado ao modesto salário de amanuense do Ministério da Guerra. No inicio do século XX, já havia contribuído com quase todos os jornais cariocas, enquanto via seu pai afundar gradativamente na loucura, destino que mais tarde trilharia também. Sendo o filho mais velho da família, Lima viu-se então na obrigação de, além de cuidar do pai demente, arcar com as despesas da casa.

      Após inúmeras dificuldades, Lima Barreto conseguiu editar em 1909 seu primeiro romance, Recordação do Escrivão Isaías Caminha, marcado pela critica social, além do estilo livre e despojado que contrastava com os escritores parnasianos. A crítica do período, alinhada a uma visão de literatura próxima do academicismo e do culto à forma, recebeu o romance com maus olhos, desferindo as mais diferentes recriminações. Devido à alusão explícita a pessoas da sociedade carioca, atingindo inclusive alguns dos poderosos da imprensa, o maior e mais influente jornal da época O Jornal do Comércio, decidiu fazer silêncio sobre a obra do escritor, impedindo que seu nome aparecesse em suas páginas. Mais tarde, esta decisão levou outros jornais a fazer o mesmo. Um dos poucos críticos a tecer elogios à obra de Barreto neste momento foi José Veríssimo, fato que rendeu inclusive uma visita do autor à casa do crítico, como forma de agradecimento.

      Em 1911 foi publicado em folhetins o segundo romance de Lima Barreto, Triste Fim de Policarpo Quaresma, onde o autor prossegue interessado em escrever para o maior numero de leitores possíveis, rompendo com a pompa e a linguagem rebuscada. No entanto, sem despertar a atenção da crítica, Barreto teve dificuldades em editar o romance em livro, o que só ocorreu em 1915, quando o próprio autor decidiu custear a publicação, recorrendo a empréstimos.

      Depois de 1915, os comentários sobre o livro, ainda que não abundantes, são desferidos em tom mais positivo. Porém, o rompimento com a estética parnasiana e simbolista ainda continuavam mal compreendidos pela crítica.

      No ano de 1912, Lima Barreto seguiu publicando seus escritos em formato de romance-folhetim, publicação em jornal que tinha boa aceitação na época e ao qual recorriam os principais escritores. Viver exclusivamente de literatura era impossível, até para os escritores mais famosos. Em 1912 foram lançados em folhetim: O Chamisco ou O Querido das Mulheres, Entra Senhórr! e no final do ano As Aventuras do Doutor Bogóloff.

      Em 1914, Lima Barreto encontra-se insatisfeito com o trabalho de amanuense na Secretaria da Guerra, sem editor e decepcionado com as criticas que recebera seus romances. Cada vez mais, passa a recorrer ao álcool para curar as amarguras e decepções da vida. Em meados do ano, o escritor passa a sofrer de alucinações e após os irmãos verem frustradas suas tentativas de ajuda, incluindo uma mudança para a casa de um tio em Guaratiba, Lima Barreto é internado no Hospital Nacional dos Alienados, onde permanece entre agosto e outubro de 1914.

      O romance Numa e a Ninfa, escrito imediatamente após Lima ter saído do hospício, foi publicado pelo jornal A Noite entre março e julho de 1915. Em 1917 o escritor volta a relatar, em seu diário, problemas com a bebida. No final de 1918 e começo de 1919, Lima Barreto esteve internado no Hospital Central do Exército para se recuperar de contusões sofridas em decorrência de alucinações alcoólicas. Na mesma época, o escritor se aposenta do trabalho na Secretaria da Guerra, passando a dedicar-se somente a literatura.

      Lima Barreto foi internado no Hospital Nacional dos Alienados pela segunda vez em 1919. Mais uma vez diagnosticado como alcoólatra, recolheu suas experiências desta passagem pelo Hospício no raro documento literário sobre as instituições psiquiátricas no Brasil, o livro Cemitério dos Vivos, publicado em 1920. O neurastênico intérprete do mulato e defensor do subúrbio que dizia em seus “Diários Íntimos” que “É difícil não nascer branco” e que “a raça para os brancos é conceito, para os negros pré-conceito” veio a falecer em 1922, aos 41 anos.

      Avesso ao nacionalismo e ao purismo linguístico, Lima Barreto é reconhecido por ter mantido uma escrita de estilo livre e muito mais despojada que o estilo dos empolados parnasianos do seu tempo. Forte denunciador da questão do preconceito racial, tanto por suas crônicas quanto por seus romances, ele demonstrou uma sensibilidade incomparável para com o tema do racismo. A sua crítica social, sua escrita militante, além da sua simpatia pelo anarquismo, fez de Lima Barreto um dos principais escritores libertários do País. Para muitos críticos literários, foi Lima Barreto quem sedimentou terreno para a emergência dos escritores modernistas e suas propostas de transformação.

      Triste Fim de Policarpo Quaresma

      Primeira Parte

      Capítulo I: A lição de violão

      Como de hábito, Policarpo Quaresma, mais conhecido por Major Quaresma, bateu em casa às quatro e quinze da tarde. Havia mais de vinte anos que isso acontecia. Saindo do Arsenal de Guerra, onde era subsecretário, bongava pelas confeitarias algumas frutas, comprava um queijo, às vezes, e sempre o pão da padaria francesa.

      Não gastava nesses passos nem mesmo uma hora, de forma que, às três e quarenta, por ai assim, tomava o bonde, sem erro de um minuto, ia pisar a soleira da porta de sua casa, numa rua afastada de São Januário, bem exatamente às quatro e quinze, como se fosse a aparição de um astro, um eclipse, enfim um fenômeno matematicamente determinado, previsto e predito.

      A vizinhança já lhe conhecia os hábitos e tanto que, na casa do Capitão Cláudio, onde era costume jantar-se aí pelas quatro e meia, logo que o viam passar, a dona gritava à criada: "Alice, olha que são horas; o Major Quaresma já passou."

      E era assim todos os dias, há quase trinta anos. Vivendo em casa própria e tendo outros rendimentos além do seu ordenado, o Major Quaresma podia levar um trem de vida superior ao seus recursos burocráticos, gozando, por parte da vizinhança, da consideração e respeito de homem abastado.

      Não recebia ninguém, vivia num isolamento monacal, embora fosse cortês com os vizinhos que o julgavam esquisito e misantropo. Se não tinha amigos na redondeza, não tinha inimigos, e a única desafeição que merecera, fora a do doutor Segadas, um clínico afamado no lugar, que não podia admitir que Quaresma tivesse livros: "Se não era formado, para quê? Pedantismo!"

      O subsecretário não mostrava os livros a ninguém, mas acontecia que, quando se abriam as janelas da sala de sua livraria, da rua poder-se-iam ver as estantes pejadas de cima a baixo.

      Eram esses os seus hábitos; ultimamente, porém, mudara um pouco; e isso provocava comentários no bairro. Além do compadre e da filha, as únicas pessoas que o visitavam até então, nos últimos dias, era visto entrar em sua casa, três vezes por semana e em dias certos, um senhor baixo, magro, pálido, com um violão agasalhado numa bolsa de camurça. Logo pela primeira vez o caso intrigou a vizinhança. Um violão em casa tão respeitável! Que seria?

      E, na mesma tarde, urna das mais lindas vizinhas do major convidou uma amiga, e ambas levaram um tempo perdido, de cá para lá, a palmilhar o passeio, esticando a cabeça, quando passavam diante da janela aberta do esquisito subsecretário.

      Não foi inútil a espionagem. Sentado no sofá, tendo ao lado o tal sujeito, empunhando o "pinho" na posição de tocar, o major, atentamente, ouvia: "Olhe, major, assim". E as cordas vibravam vagarosamente a nota ferida; em seguida, o mestre aduzia: "É 'ré', aprendeu?"

      Mas não foi preciso pôr na carta; a vizinhança concluiu logo que o major aprendia a tocar violão. Mas que coisa? Um homem tão sério metido nessas malandragens!

      Uma tarde de sol - sol de março, forte e implacável - aí pelas cercanias das quatro horas, as janelas de uma erma rua de São Januário povoaram-se

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