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num lugar daqueles. E chegada a hora de entrar, apresentei o bilhete e o porteiro disse:

      ― Boa noite! Esperávamo-lo com algum nervosismo.

      ― A mim? ― Perguntei, surpreso com aquela saudação tão invulgar.

      ― Aguarde aqui, por favor, enquanto aviso os restantes.

      E tendo dito isto, abriu uma porta interna e gritou:

      ― Já chegou! Preparem-se todos.

      ― Todos quem? ― Voltei a perguntar sem saber bem a que se devia aquela agitação.

      ― Venha, pode entrar! ― Disse uma jovem, abrindo uma porta lateral que impedia a passagem do lado da janela de acesso.

      ― Obrigado, mas não estou a perceber a que se deve tanta atenção ― eu disse com um ar de surpresa, misturado com cansaço.

      ― Venha comigo! ― Continuou a rapariga enquanto nos esgueirávamos por uma passagem estreita que ia dar a uma pequena sala.

      ― Chegue aqui, por favor ― disse outra pessoa, através de um dos assentos.

      ― Por onde é que posso descer? ― Perguntei ao ver que me encontrava no meio de um pequeno cenário, enquanto a rapariga se retirava.

      ― Lá ao fundo, do seu lado direito, há três degraus que não são muito grandes ― respondeu a pessoa que se levantava do assento.

      Quando dei com o lugar, disse para a pessoa que me recebera com a palma da mão aberta:

      ― Qual é o meu lugar?

      ― Qualquer um! ― Afirmou com um largo sorriso.

      ― Como assim? ― Perguntei surpreendido com aquilo.

      ― Pode sentar-se onde lhe apetecer. Agora preciso retirar-me ― dizia enquanto subia para o cenário de onde tinha descido e desaparecia pelo mesmo lugar que a rapariga que me tinha trazido até ali.

      ― Senhoras e senhores! Boa noite, antes de mais nada, quero agradecer a vossa presença, espero que esta obra seja do vosso interesse. E sem mais demoras, comecemos. ― Disse o bilheteiro que agora envergava uma jaqueta verde e umas calças de malha da mesma cor.

      Olhei em volta para ver se havia mais espetadores naquela sala, mas não consegui ver ninguém. Aquilo surpreendeu-me, pois não percebia o que é que se estava ali a passar. Tinha a certeza de que estava no lugar certo, que a morada e inclusive o bilheteiro, que tudo isso estava correto. À exceção do que se tinha passado das portas para dentro.

      No palco, aquelas três pessoas apresentavam e dançavam sucessivamente, fazendo trocas constantes de roupa e de entoações.

      De início custou-me um pouco perceber qual era a peça, mas logo dei-me conta de que estava diante de uma das obras mais representadas da história. Uma obra classificada como a mais dramática e a mais complexa. Repleta de amor, ódio, vingança e desejo, mas que era rapidamente conhecida pela famosa frase “Ser ou não ser! Eis a questão”.

      Hamlet, uma das obras trágicas mais conhecidas de William Shakespeare, mas adaptada a um pequeno povo criado em palco, em vez de refletir a nobreza dinamarquesa das suas personagens originais.

      O enredo não se distanciava muito dos dramas atuais, embora os bailarinos quisessem manter aquele traje medieval e linguagem aprimorada e pouco direta da obra original.

      Além disso, como os atores-bailarinos eram poucos, eles próprios representavam várias personagens, sendo que a única coisa que os distinguia uns dos outros era a indumentária que usavam. Assim, e para que fosse evidente a troca, os dois rapazes, além de fazerem as personagens masculinas, também faziam as personagens femininas.

      Em apenas meia hora tinham terminado e eu fiquei perplexo com aquilo. Não era que me lembrasse da obra por inteiro, mas sabia que tinha três ou quatro atos, cada um mais extenso do que o outro em termos de tempo, mas isto, tinha sido como um “Hamlet expresso”.

      Quando os três bailarinos ficaram de pé no palco, com os braços para cima após dobrarem o corpo numa vénia, baixarem a cabeça quase até aos joelhos e deterem-se a olhar para mim, tive que aplaudir.

      ― O que achou? ― Perguntou o ator-bailarino que tinha feito de bilheteiro.

      ― Pareceu-me bem ― eu disse, tentando recuperar da impressão que me causara.

      ― A sério que gostou? ― Perguntou nervosa a atriz.

      ― Bom, na sua essência pareceu-me bem, embora tenha faltado o mais importante ― referi sem querer desanimá-los.

      ― O mais importante? ― Perguntou um terceiro.

      ― Sim, toda a introspeção dos personagens, principalmente do príncipe Hamlet. Faltou mais um pouco de autodiálogo.

      ― Eu sabia! ― Falou o primeiro ator.

      ― Tem calma! ― Disse o terceiro.

      ― Como acha que poderíamos melhorar? ― Perguntou a atriz.

      ― Não sei, não é como se fosse um entendido no assunto, nem nada disso.

      ― Era isso que queríamos, daí o convite ― indicou a mulher.

      ― Não estou a perceber! ― Respondi, confuso com aquela afirmação.

      ― Deixámos um convite no parque para que, quem quisesse, pudesse assistir de forma anónima à nossa “ante-estreia”, para assim ficarmos a conhecer de antemão a impressão que a nossa obra causa no espetador. ― Esclareceu o primeiro ator.

      ― Bem, talvez eu não seja tão imparcial como desejariam, sou psiquiatra e devido à minha profissão, tenho o costume de analisar tudo aquilo que oiço e vejo. É um hábito profissional! ― Esclareci com um certo tom de resignação.

      ― Então! Gostou? ― Insistiu a mulher que estava vestida com um meias de rede e um tutu, ambos negros.

      ― Sim, achei interessante a abordagem que fizeram, mas pareceu-me demasiado curto, e faltaram algumas cenas importantes da obra.

      ― É essa a ideia ― afirmou o terceiro ator com um tom desafiante. ― Se queria ver uma obra clássica, enganou-se na sala. Nós somos ousados, inovadores, e não queremos repetir o mesmo que os outros.

      ― Apesar disso, creio que um pouco mais de introspeção seria bom para o público refletir sobre a natureza humana, tal como pretendia Shakespeare ― voltei a indicar.

      ― Reflexão? Não é isso que procuramos, queremos emocionar, impressionar, fazer perder o fôlego… que quando sair daqui, se lembre do que viveu como uma experiência única. Não queremos cá reflexões! ― Insistiu o terceiro ator com um tom aborrecido.

      ― Bem, apenas estou a dizer o que penso, creio que é um clássico e há que respeitar algumas coisas da obra original.

      ― Agradecemos o seu tempo ― afirmou a mulher enquanto descia os três degraus do palco. ― Já agora, isto é seu? ― Disse, entregando-me a caixa que me tinha conduzido até esta experiência tão imprevisível. ― Sim, é seu. ― Afirmou. ― Embora esperássemos que viesse acompanhado.

      ― Acompanhado? ― Perguntei surpreendido.

      ― Sim, mas suponho que não tinha ninguém com quem vir ― afirmou com um tom sarcástico o terceiro bailarino ao descer do palco.

      ― A verdade é que, se soubesse ao que vinha, poderia ter convidado alguém, mas como não dizia nada…

      ― Como nada? ― Perguntou o primeiro ator, que fizera de bilheteiro. ― Está escrito o lugar, a hora e até que era um espetáculo de balé.

      ― Sim, é verdade, mas não me imaginei num sítio como este, vi no jornal que anunciavam uma companhia de balé que atuaria hoje, e pensei que eram vocês.

      ― Antes fosse! ― Disse a mulher. ― Nem sequer somos uma companhia,

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