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A atenção de Riley dividia-se entre o vagabundo e o grande relógio de areia à sua frente. Era-lhe difícil decidir qual deles era mais surpreendente.

      Rags Tucker tinha cabelo comprido grisalho e uma barba que lhe chegava à cintura. As suas roupas esfarrapadas condiziam com o seu nome.

      É claro que ela se interrogou…

      É um suspeito?

      Parecia-lhe difícil de acreditar. Os seus membros eram magros e não parecia ser suficientemente robusto para ter concretizado qualquer daqueles homicídios. Dele emanava um quê de inofensivo.

      Riley também suspeitava que a sua aparência desalinhada era mais uma representação. Ele não cheirava mal, pelo menos de onde ela se encontrava e as suas roupas pareciam limpas apesar de coçadas e rasgadas.

      Quanto ao relógio de areia, era muito parecido com aquele que tinha encontrado junto ao caminho. Tinha mais de sessenta centímetros de altura, rebordos ondulados no topo e três hastes esculpidas com habilidade a segurar a estrutura.

      Contudo, não era igual ao outro. Por um lado, o da zona arborizada não era tão escuro – era mais de um castanho avermelhado. Apesar dos padrões esculpidos serem semelhantes, não pareciam réplicas exatas dos desenhos que tinham visto no primeiro relógio de areia.

      Mas essas pequenas variações não eram as diferenças mais significativas entre os dois.

      O maior contraste estava na areia que assinalava a passagem do tempo. NO relógio que Bill encontrara entre as árvores, toda a areia se encontrava no globo inferior. Mas neste relógio, a maior parte da areia ainda se encontrava no globo superior.

      Esta areia estava em movimento, caindo lentamente para o globo inferior.

      Riley tinha a certeza de uma coisa – que o assassino queria que aquele relógio fosse encontrado, tal como quisera que o outro também fosse descoberto.

      Finalmente Tucker falou, “Como sabia que o tinha?” Perguntou a Riley.

      Riley mostrou o seu distintivo.

      “Eu faço as perguntas, se não se importar,” Disse ela numa voz calma. “Como é que o obteve?”

      Tucker encolheu os ombros.

      “Foi um presente,” Disse ele.

      “De quem?” Perguntou Riley.

      “Dos deuses, talvez. Caiu do céu. Quando olhei para o exterior esta manhã, vi-o logo, ali nos cobertores com as minhas outras coisas. Trouxe-o para dentro e voltei a dormir. Depois acordei novamente e sentei-me aqui a observá-lo.”

      Olhou com muita atenção para o relógio de areia.

      “Nunca tinha observado o tempo a passar,” Disse ele. “É uma experiência única. Parece que passa rápido e lentamente ao mesmo tempo. E passa uma sensação de inevitabilidade. O tempo não pode voltar atrás, como se costuma dizer.”

      Riley perguntou a Tucker, “A areia estava a mover-se assim quando o encontrou ou virou-o?”

      “Mantive-o como estava,” Disse Tucker. “Acha que me atreveria a alterar o fluxo do tempo? Não interfiro com questões cósmicas como essa. Não sou tão estúpido.”

      Não, ele não é mesmo nada estúpido, Pensou Riley.

      Sentiu que começava a compreender Rags Tucker melhor à medida que a conversa avançava. Esta figura vestida de trapos era cuidadosamente cultivada para o divertimento dos visitantes. Tinha-se transformado numa atração local ali em Belle Terre. E pelo que o chefe Belt dissera sobre ele, Riley sabia que levava uma vida modesta. Estabelecera-se como um acessório local e adquiriu autorização tácita para viver onde e como queria.

      Rags Tucker estava ali para divertir e para o divertirem.

      Ocorreu a Riley que se tratava de uma situação delicada.

      Ela precisava de afastar aquele relógio de areia dele. Queria fazê-lo rapidamente e sem dar muito nas vistas.

      Mas estaria ele disposto a dar-lho?

      Apesar de ela conhecer muito bem as leis sobre buscas e apreensões, não sabia muito bem como é que se aplicavam a um vagabundo a viver numa barraca em propriedade pública.

      Era muito melhor tratar daquilo sem precisar de um mandado, mas tinha que proceder com cuidado.

      Disse a Tucker, “Pensamos que tenha sido aqui deixado por quem cometeu os dois crimes.”

      Os olhos de Tucker dilataram-se.

      Então Riley disse, “Temos que levar este relógio connosco. Pode ser uma prova importante.”

      Tucker abanou a cabeça lentamente.

      Disse, “Está a esquecer-se da lei da praia.”

      “E que lei é essa?” Perguntou Riley.

      “’Achado não é roubado’. Para além disso, se isto é mesmo um presente dos deuses, não me devo separar dele. Não quero ir contra a vontade do cosmos.”

      Riley estudou a sua expressão. Ela sabia que ele não era doido ou idiota – apesar de às vezes agir nesse sentido. Mas isso era apenas parte do espetáculo.

      Não, este vagabundo específico sabia exatamente o que estava a fazer e a dizer.

      Está a fazer negócios, Pensou Riley.

      Riley abriu a sua carteira, tirou uma nota de vinte solares e entregou-lha.

      Disse, “Talvez isto ajude a resolver as coisas com o cosmos.”

      Tucker sorriu muito levemente.

      “Não sei,” Disse ele. “O universo está com uns preços bem caros.”

      Riley sentiu que entrava no jogo do homem e que jogava em concordância.

      Ela disse, “Está sempre em expansão, não é?”

      “Pois, desde o Big Bang,” Disse Tucker. Esfregou os dedos e acrescentou, “E parece que está a passar por uma nova fase de inflação.”

      Riley não conseguiu evitar admirar a astúcia do homem – e a sua criatividade. Ela calculou que seria melhor fazer negócio com ele antes da conversa se aprofundar.

      Tirou outra nota de vinte dólares da carteira.

      Tucker surripiou as duas notas da sua mão.

      “É seu,” Disse ele. “Tome bem conta dele. Tenho a sensação de que esta coisa é poderosa.”

      Riley deu por si a pensar que ele tinha razão – provavelmente mais razão do que poderia saber.

      Com um sorriso, Rags Tucker acrescentou, “Penso que consegue lidar com isso.”

      Bill colocou novamente as luvas e aproximou-se do relógio para o pegar.

      Riley disse-lhe, “Tem cuidado, mantém-no o mais imóvel possível. Não queremos interferir com a velocidade a que avança.”

      Quando Bill pegou no relógio, Riley disse a Tucker, “Obrigada pela ajuda. Podemos voltar para fazer mais perguntas. Espero que esteja disponível.”

      Tucker encolheu os ombros e disse, “Estarei aqui.”

      Ao virarem-se para irem embora, o chefe Belt perguntou a Riley, “Quanto tempo pensa que vai decorrer até toda a areia cair no fundo?”

      Riley lembrou-se que o médico-legista dissera que ambos os homicídios tinham ocorrido por volta das seis horas da manhã. Riley olhou para o seu relógio. Eram quase onze. Fez algumas contas de cabeça.

      Riley disse a Belt, “A areia estará toda no fundo daqui a cerca de dezanove horas.”

      “E o que acontece então?” Perguntou Belt.

      “Alguém morre,” Disse Riley.

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