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podia rivalizar com as minhas habilidades."

      Merk remeteu-se a um longo silêncio, preso em memórias de uma vida de que se arrependia, memórias de que ele preferia não se lembrar.

      "E agora?", perguntou ela em voz baixa.

      Merk estava grato por não detetar qualquer julgamento na sua voz, como habitualmente acontecia com os outros. Ele suspirou.

      "Agora", ele disse, "já não é o que eu faço. Já não é quem eu sou. Eu comprometi-me a renunciar à violência. A colocar os meus serviços a uma causa. No entanto, por muito que tente, não consigo libertar-me disso. A violência parece encontrar-me. Há sempre, ao que parece, uma outra causa."

      "E qual é a tua causa?", perguntou ela.

      Ele ficou a pensar naquilo.

      "A minha causa, inicialmente, era tornar-me um Sentinela", respondeu ele. "Dedicar-me ao serviço. Proteger a Torre de Ur, proteger a Espada de Chamas. Quando isso falhou, eu senti que a minha causa era chegar à Torre de Kos, para salvar a espada."

      Ele suspirou.

      "E, no entanto, aqui estamos nós, a navegar pela Baía da Morte, com a Espada desaparecida, os trolls a seguirem-nos e em direção a uma série de ilhas áridas", Lorna respondeu com um sorriso.

      Merk franziu a testa, aborrecido.

      "Eu perdi a minha causa", disse ele. "Eu perdi o meu propósito de vida. Eu já não me conheço a mim próprio. Eu não sei a minha direção."

      Lorna assentiu.

      "Isso é um bom lugar para se estar", disse ela. "Um lugar de incerteza é também um lugar de possibilidade."

      Merk observava-a, perguntando-se. Ele estava tocado por ela não condenar. Qualquer outra pessoa que tivesse ouvido a sua história iria vilipendiá-lo.

      "Tu não me julgas por quem eu sou", observou ele, surpreendido.

      Lorna olhou fixamente para ele, com um olhar tão intenso que era como olhar para a lua.

      "Isso era quem tu eras", ela corrigiu. "Não é quem tu és agora. Como é que te posso julgar por quem foste em tempos? Eu só julgo o homem que está perante mim."

      Merk sentiu-se restabelecido pela sua resposta.

      "E quem sou eu agora?", perguntou ele, querendo saber a resposta, sem ele próprio saber qual era.

      Ela olhou fixamente para ele.

      "Eu vejo um guerreiro bom", respondeu ela. "Um homem altruísta. Um homem que quer ajudar os outros. E um homem cheio de nostalgia. Vejo um homem que está perdido. Um homem que nunca se conheceu a si mesmo."

      Merk pensava nas palavras dela que ressoavam dentro dele. Ele sentiu que todas aquelas palavras eram verdadeiras. Demasiado verdadeiras.

      Um longo silêncio abateu-se entre eles, enquanto o seu pequeno navio oscilava nas águas, fazendo lentamente o seu caminho para oeste. Merk vigiava atrás vendo a frota de trolls ainda no horizonte, ainda a uma distância suficiente boa.

      "E tu?", perguntou ele finalmente. "És filha de Tarnis, não és?"

      Ela procurou o horizonte, com os olhos a brilhar e, finalmente, assentiu.

      "Sou", respondeu ela.

      Merk ficou surpreendido ao ouvi-lo.

      "Então porque é que estavas aqui?", perguntou ele.

      Ela suspirou.

      "Eu tenho estado aqui escondida desde criança."

      "Mas porquê?", pressionou ele.

      Ela encolheu os ombros.

      "Eu suponho que era demasiado perigoso ficar na capital. As pessoas não podiam saber que eu era a filha ilegítima do rei. Era mais seguro aqui."

      "Mais seguro aqui?", perguntou ele. "Nas extremidades do mundo?"

      "Eu fiquei a guardar um segredo", explicou ela. "Mais importante ainda do que o reino de Escalon".

      O coração dele batia com força ao questionar-se o que poderia ser.

      "Vais dizer-me?", perguntou.

      Mas Lorna lentamente virou-se e apontou para a frente. Merk seguiu o seu olhar e lá, no horizonte, onde o sol brilhava sobre três ilhas áridas, erguia-se do oceano, a última fortaleza de pedra sólida. Era o lugar mais desolado e, no entanto, o mais belo que Merk já tinha visto. Um lugar distante o suficiente para armazenar todos os segredos da magia e do poder.

      "Bem-vindo a Knossos", disse Lorna.

      CAPÍTULO NOVE

      Duncan, sozinho, coxeando por causa das dores nos tornozelos e pulsos, corria pelas ruas de Andros, ignorando-as, estimulado pela adrenalina ao pensar numa coisa apenas: em salvar Kyra. Os gritos de socorro dela ecoavam na sua mente, na sua alma, fazendo-o esquecer os seus ferimentos enquanto corria pelas ruas, a transpirar, em direção ao som.

      Duncan serpenteava-se pelas estreitas ruelas de Andros, sabendo que Kyra estava logo a seguir às espessas paredes de pedra. A toda à sua volta os dragões desciam a pique, lançando fogo a todas as ruas, com um calor tremendo irradiando das paredes, tão quente que Duncan conseguia senti-lo, mesmo do outro lado da pedra. Ele esperava e rezava para que eles não descessem para aquela ruela – senão, seria o seu fim.

      Mesmo com dores, Duncan não parava. Nem se virava. Não podia. Impulsionado pelo instinto de um pai, ele fisicamente não poderia ir a nenhum lado, exceto em direção ao som da sua filha. Passou-lhe pela cabeça que estava a correr para a morte, perdendo qualquer hipótese que teria de escapar. No entanto, isso não o deteve. A sua filha estava presa e, agora, isso era tudo o que o importava.

      "NÃO!", ouviu-se o grito.

      Duncan arrepiou-se. Ouviu novamente o grito dela. O seu coração teve um abalo ao ouvir o som. Ele correu mais rápido, com todas as suas forças, virando em mais uma ruela.

      Finalmente, ao virar novamente, ele avançou por um baixo arco de pedra e o céu abriu-se diante dele.

      Duncan foi dar a um pátio aberto e, ficando ali ao canto, ele ficou atordoado com o que viu diante de si. Do outro lado do pátio as chamas enchiam o ar e dragões passavam de um lado para o outro, expelindo fogo e, debaixo de uma saliência de pedra, mal protegida contra todo o fogo, estava a sua filha.

      Kyra.

      Ali estava ela, ao vivo, viva.

      Ainda mais chocante do que vê-la ali, viva, era ver o dragão bebé deitado ao lado dela. Duncan olhou fixamente, confundido com o que via. Ao princípio, tinha-lhe parecido que Kyra estava a lutar para matar um dragão que tinha caído do céu. Mas então viu que o dragão estava preso por um pedregulho. Ele ficou perplexo ao ver Kyra a empurrá-lo. O que é que ela estava a tentar fazer, ele perguntava-se? Libertar um dragão? Porquê?

      "Kyra!", ele gritou.

      Duncan atravessou a correr o pátio a céu aberto, evitando colunas de chamas, evitando a pancada violenta da garra de um dragão, ainda a correr até finalmente chegar ao lado da sua filha.

      Ao fazê-lo, Kyra olhou para cima e ficou em choque. E, em seguida, feliz.

      "Pai!", disse ela.

      Ela correu para os seus braços. Duncan abraçou-a e ela abraçou-o também. Segurando-a nos seus braços, ele sentiu-se mais uma vez recuperado, como se uma parte de si tivesse voltado.

      Lágrimas de alegria corriam pelo seu rosto. Ele mal podia acreditar que Kyra estivesse realmente ali e viva.

      Ela agarrou-o e ele agarrou-a. Acima de tudo, enquanto a sentia tremer nos seus braços, ele ficou aliviado por ela não estar ferida.

      Lembrando-se, ele afastou-a, virou-se para o dragão, tirou a sua espada e ergueu-a, prestes a cortar a cabeça do dragão para proteger sua filha.

      "Não!", gritou Kyra.

      Ela surpreendeu Duncan ao aproximar-se a correr e agarrar-lhe o pulso com uma força inesperada, segurando-lhe o golpe. Esta não era a filha dócil que

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