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Os Lusíadas. Luis de Camoes
Читать онлайн.Название Os Lusíadas
Год выпуска 0
isbn http://www.gutenberg.org/ebooks/27236
Автор произведения Luis de Camoes
Жанр Зарубежные стихи
Издательство Public Domain
Veo a fazer no mundo tanta parte,
Criando a Reino illuſtre, & foi deſta arte.
Hum Rei, por nome Affonſo, foy na Eſpanha,
Que fez aos Sarracenos tanta guerra,
Que por armas ſanguinas, força & manha
A muitos fez perder a vida, & a terra:
Voando deſte Rei a fama eſtranha,
Do Herculano Calpe aa Caſpia ſerra,
Muitos, pera na guerra eſclarecerſe,
Vinhão a elle, & aa morte offerecerſe.
E com hum amor intrinſeco acendidos
Da Fè, mais que das honras populares,
Erão de varias terras conduzidos,
Deixando a patria amada, & proprios lares
Deſpois que em feitos altos & ſubidos.
Se moſtrarão nas armas ſingulares.
Quis o famoſo Affonſo, que obras tais,
Leuaſſem premio digno, & dões agoais.
Deſtes Anrique dizem que ſegundo,
Filho de hum Rei de Vngria exprimentado,
Portugal ouue em ſorte, que no Mundo
Entam não era illuſtre, nem prezado:
E pera mais ſinal damor profundo,
Quis o Rei Caſtelhano, que caſado,
Com Tereſa ſua filha o Conde foſſe,
E com ella das terras tomou poſſe.
Eſte deſpois que contra os deſcendentes,
Da eſcraua Agar, victorias grandes teue,
Ganhando muitas terras adjacentes,
Fazendo o que a ſeu forte peito deue.
Em premio destes feitos excellentes,
Deulhe o ſupremo Deos, em tempo breue,
Hum filho, que illuſtraſſe o nome vfano
Do belicoſo Reino Luſitano.
Ia tinha vindo Anrique da conquista,
Da cidade Hyeroſolima ſagrada,
E do Iordão a area tinha vista,
Que vio de Deos a carne em ſi lauada,
Que não tendo Gotfredo a quem reſiſta,
Depois de ter Iudea ſojugada.
Muitos que nestas guerras o ajudárão,
Pera ſeus ſenhorios ſe tornàrão.
Quando chegado ao fim de ſua idade,
O forte & famoſo Vngaro estremado,
Forçado da fatal neceſsidade,
O ſpirito deu, a quem lho tinha dado:
Ficaua o filho em tenra mocidade,
Em quem o pay deixaua ſeu traſlado:
Que do Mundo os mais fortes igualaua,
Que de tal pay tal filho ſe eſperaua.
Mas o velho rumor, não ſey ſe errado,
Que em tanta antiguidade não ha certeza,
Conta que a mãy tomando todo o eſtado
Do ſegundo Hymeneo, não ſe despreza:
O filho orfão deixaua deſerdado,
Dizendo que nas terras, a grandeza
Do ſenhorio todo, ſo ſua era,
Porque pera caſar ſeu pay lhas dera.
Mas o Principe Affonſo, que deſta arte
Se chamaua, do Auô tomando o nome,
Vendoſe em ſuas terras não ter parte,
Que a mãy com ſeu marido as mãda & come,
Feruendo lhe no peito o duro Marte,
Imagina conſigo como as tome.
Reuoluidas as cauſas no conceito,
Ao propoſito firme ſegue o effeito.
De Guimarães o campo ſe tingia,
Co ſangue proprio da intestina guerra,
Onde a mãy que tam pouco o perecia,
A ſeu filho negaua o amor, & a terra,
Co elle posta em campo ja ſe via,
E não ve a ſoberba, o muito que erra.
Contra Deos, contra o maternal amor:
Mas nella o ſenſual era maior.
O Progne crua, o magica Medea,
Se em voſſos proprios filhos vos vingais
Da maldade dos pais, da culpa alheia,
Olhay que inda Tereſa peca mais:
Incontinencia ma, cubiça fea,
São as cauſas deste erro principais.
Scilla por hũa mata o velho pay,
Eſta por ambas, contra o filho vay.
Mas ja o Principe claro, o vencimento,
Do padrasto & da inica mãy leuaua,
Ia lhe obedece a terra num momento,
Que primeiro contra elle pelejaua.
Porem vencido de Ira o entendimento,
A mãy em ferros aſperos ataua:
Mas de Deos foi vingada em tempo breue,
Tanta veneração aos pais ſe deue.
Eis ſe ajunta o ſoberbo Castelhano,
Pera vingar a injuria de Tereja,
Contra o tam raro em gente Luſitano,
A quem nenhum trabalho agraua, ou peſa:
Em batalha cruel, o peito humano,
Ajudado da Angelica defeſa.
Não ſo contra tal furia ſe ſuſtenta:
Mas o inimigo aſperrimo affugenta.
Não paſſa muito tempo, quando o forte
Principe, em Guimarães eſta cercado,
De infinito poder, que deſta ſorte,
Foy refazerſe o immigo magoado:
Mas com ſe offerecer aa dura morte,
O fiel Egas amo, foy liurado.
Que de outra arte podêra ſer perdido,
Segundo estaua mal aperçebido.
Mas o leal vaſſallo conhecendo,
Que ſeu ſenhor não tinha reſiſtencia,
Se vay ao Caſtelhano, prometendo,
Que elle faria darlhe obediencia.
Leuanta o inimigo o cerco horrendo,
Fiado na promeſſa, & conſciencia
De Egas moniz mas não conſente o peito
Do moço illuſlre, a outrem ſer ſogeito.
Chegado tinha o prazo prometido,
Em que o Rei Castelhano ja agoardaua,
Que o Principe a ſeu mando ſometido,
Lhe deſſe a obediencia que eſperaua.
Vendo Egas, que ficaua fementido,
O