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de um cômodo mexendo em qualquer espaço que pudesse reivindicar, coletando engrenagens sobressalentes que encontrava no lixo e dissecando os autômatos esmagados que ele roubava das lixeiras.

      No dia em que seu pai teve sorte em um negócio, tudo mudou. As Indústrias Kylock surgiram e, desde então, sua família vinha fazendo todo o possível para se desprender da sarjeta.

      Silas acelerou o passo ao longo do corredor, em direção à terceira porta, um apartamento de que ele se lembrava bem. Ele ergueu os nós dos dedos até a porta e bateu.

      A porta se abriu com um rangido, e Theo apareceu, impedindo-o de entrar. Seus cabelos pretos e brilhantes caiam nas costas, e ela usava uma roupa semelhante à dele. As calças destacavam a curva dos quadris, e um botão aberto revelava um indício de decote. Ela franziu os lábios, mantendo a mão na porta, mesmo enquanto ele espiava por ela. Com base no movimento de queixo e na maneira como ela desviou o olhar, ele precisava fazer suposições, ela estava envergonhada com o estado de miséria.

       Não que devesse estar… eu cresci aqui também.

      — Volto logo, mãe. — Theo gritou e fechou a porta, bloqueando a visão dele.

      — Não está pensando em me convidar para uma xícara de chá? — ele perguntou, um sorriso se aprofundando no rosto.

      Sempre que ela o encarava com muita seriedade, ele não conseguia evitar a provocação. Ele a provocava mil e uma vezes e, em alguns desses casos, foi bem idiota, mas ele preferia as palavras ásperas a desinteresse, era indiscutível.

      — Como se você tivesse tanta sorte. — disse ela, descendo o corredor sem olhar para trás.

      Os quadris iam de um lado a outro conforme ela descia com graça natural pelo corredor. Ele se arrastou atrás dela, o barulho das botas no carpete nojento fazendo sua pele coçar.

      — Tem certeza de que não mudou de ideia? — Theo perguntou quando alcançou a porta. — Tudo seria muito mais fácil se apenas me entregasse as peças, e eu poderia começar a trabalhar. Sabe que não estamos indo a um passeio no parque. Não quero que suje essas mãos brancas como lírio.

      Silas parou na frente dela, à porta, e colocou a mão na maçaneta. Ele levantou a outra na frente dela.

      — Estas? Estão cobertas de todos os tipos de sujeira, calejadas além do recuperável.

      Tão perto, ela se concentrou nele com a intensidade que entregava a tudo, e ele sentiu o cheiro forte de ferro e o doce aroma de lírios. O olhar dela se demorou percorrendo o comprimento dele de uma forma que atiçava o interesse dele.

      Theo passou por ele para empurrar a porta, quebrando qualquer ilusão de que ela pudesse olhar para ele com algo diferente de ódio.

      — A menos que você seja hábil com uma arma, não tenho uso para essas mãos. — disse ela, assumindo a liderança pelas ruas de paralelepípedos de Islington.

      Alguns sujeitos vadeando pela calçada ergueram as facas e deram vários passos para se aproximar, até avistarem Theo. A gangue congelou quando ela tirou a pistola Derringer modificada do coldre de couro em sua cintura.

      Ela soprou um beijo para os homens antes de dizer:

      — Estaria morto antes de dar o próximo passo.

      Silas passou a mão pelos cabelos, incapaz de esconder a admiração. Theo Whitfield comandava essas ruas como naquela época, porém, no passado, ele nunca admitiria o quanto a respeitava. Nunca o faria. As Indústrias Kylock tinham um futuro, e eles não.

      — Parece que não vou precisar seguir o caminho usual de devolver insultos para evitar o perigo. Só vai se pavonear e mostrar os punhos. — gritou ele, acelerando o passo para alcançá-la.

      Não era como se ele não pudesse lidar com a situação sozinho. Ele mantinha ao menos cinco facas escondidas pelo corpo, bem como uma granada de corda. Até mesmo carregava algumas das bombas de éter para situações mais extremas.

      — Precisamos de um local fora da vista do público para eu poder realizar o rastreamento. — disse Theo, com o queixo erguido enquanto se concentrava em uma faixa de casas antigas mais adiante que haviam sido abandonadas.

      Silas enfiou os polegares nos bolsos das calças e assumiu a liderança, imaginando que ela gostaria de acampar em uma dessas cabanas de pesadelo. Por mais que preferisse voltar a trabalhar em seu projeto atual, ele precisava rastrear o protótipo da criada mecânica. Ele foi cheio de bravatas para cima de Theo quando ela apareceu para negociar. Verdade seja dita, ele usou um de seus núcleos de diamante no modelo, embora as normais funcionassem com quartzo. O núcleo sozinho valia mais do que o preço de todo o autômato, o que Ellie Whitfield não poderia saber quando o roubou.

      E se ele não encontrasse o núcleo, seu pai teria mais um motivo para apertar as rédeas de sua liberdade. Qualquer esperança de ganhar o suficiente para romper com os negócios da família seria frustrada, e ele acabaria em dívida para sempre com as Indústrias Kylock.

      — Sabe mostrar aos outros como se divertir. — disse ele ao entrarem na loja mais próxima, por uma porta que quase caiu ao ser aberta. — Tem algum outro lugar que frequenta, ou este é especial?

      Theo olhou de soslaio para ele, a mão dela vagando com perigo perto de sua pistola.— Se não vai ajudar, pelo menos me poupe do som da sua tagarelice.

      Ele sorriu, passando por algumas tábuas quebradas do chão no que parecia ter sido uma sala de estar quando o local era uma moradia. Uma luz rançosa era filtrada pelas janelas quebradas, mas as sombras envolviam o resto do lugar. Com base nas marcas retangulares no piso de madeira, móveis já compuseram a decoração, mas os ladrões devem ter feito uma festa na residência assim que foi abandonada. Além do farfalhar silencioso dos passos deles, nenhum outro som se seguiu. Nem os gemidos dos viciados, os murmúrios de invasores ou quaisquer outros sinais de que alguém habitava este lugar.

      Theo deu um passo mais para dentro do cômodo principal da casa, parando no meio, onde só restava poeira.

      — Entregue a sucata. Vamos encontrar esse seu autômato. — disse ela, gesticulando para que ele avançasse com a brusquidão de um chicote.

      Silas deixou a mochila escorregar do ombro e cair no chão. Ele se agachou antes de pegar os pedaços de cobre que havia escondido. Quando esticou o metal para entregá-lo, ela havia aberto um mapa. O papel fez barulho quando ela o esticou no chão empoeirado, enviando partículas ao redor. Precisou admitir, por mais que a criticasse por seu desempenho de má qualidade, ele nunca a vira praticar tecnomancia de perto. Durante os projetos em que o trabalho de ambos chegou a se cruzar, ele entregava o produto e a deixava com seus dispositivos. No entanto, ela desenvolveu uma grande reputação entre a comunidade de artesãos devido à sua habilidade.

      Theo se agachou na frente do mapa de Londres, direcionando o foco intenso para as marcações intrincadas. Em uma das mãos, ela agarrava os quadrados de cobre que haviam sobrado da criada mecânica, aqueles com sua marca pessoal de artesão. Ela pressionou os outros dedos no mapa à sua frente e fechou os olhos. O anel condutor ao redor do dedo dela começou a brilhar, os metais brilhavam como se estivessem sendo derretidos em uma forja. O fogo-fátuo se juntou no ar devido à condensação pesada como resultado da magia que ela invocava, e ele quase podia sentir o gosto do resíduo oleoso.

      Alguns tecnomantes eram grandes potências, lançando suas habilidades com a sutileza de uma bola de demolição. Theo empregava uma abordagem diferente, a elegância e economia de seus movimentos mantendo-o fascinado.

      As pontas dos dedos dela patinaram pela superfície do mapa como se fossem compelidas. Ela não apenas balançou um pêndulo sobre a superfície e apontou para um ponto. Não. Sua magia dirigiu seus dedos por uma rua, depois outra, seguindo um caminho e padrão bastante específicos por toda Londres. O anel condutor começou a zumbir em torno do dedo, emanando poder enquanto ela canalizava tais habilidades para encontrar a máquina perdida. Rajadas de vapor percorriam a sala como um subproduto.

      Os olhos dela permaneceram fechados

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