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nos livros clássicos para a dinastia Zhou do Oeste, vê-se semelhanças que são difíceis de atribuir ao acaso.

      Entre os estudiosos da religião taoísta, por outro lado, o conhecimento dos rituais e práticas religiosas dos povos Yao, é de valor incalculável porque considera-se que eles mantêm inalterada a religião taoísta tal como se praticava na China há oito séculos. Outro exemplo são os cultos da religião Benzu dos Bai, por meio do qual cada aldeia adora uma série de heróis locais, em torno dos quais foi construída um ritual e uma mitologia elaborada, que na realidade tem diversas semelhanças com os cultos às divindades locais da China, cujo exemplo mais visível foram os chamados Templos dos Deuses da Cidade (chenghuangmiao) presentes em todas as cidades chinesas. O sistema de atribuir a diferentes divindades o governo e o controle de diferentes doenças, que é descrito por Doré16, está praticamente traçado entre os Nu e outros povos do sudeste da China, que ainda hoje pensam que cada divindade regula um tipo de doença e que para curá-la, é necessário realizar uma série de rituais em sua homenagem, rituais dos quais não tenho conhecimento sobre estudos efetivos quanto a sua possível utilidade terapêutica. No entanto, é interessante ponderar o efeito que a ingestão maciça de proteínas pode ter sobre um organismo doente em sociedades onde a carne nunca fez parte da dieta cotidiana (muito menos fresca).

      Quanto mais se estudam as minorias e a cultura antiga da China, mais e mais relações aparecem, de tal forma que poderíamos multiplicar os exemplos.

      É perfeitamente normal pensar que uma série de características culturais chinesas tenham sido transmitidas aos povos de culturas minoritárias, ainda mais se considerarmos que a cultura chinesa era a cultura do grande e poderoso império, cujos imperadores dominavam esses povos, e que era tecnológica e economicamente mais avançada. Estranho seria pensar que, apesar dos séculos de relacionamento entre os chineses e os povos da periferia do império, este último havia se negado completamente a aceitar qualquer influência externa. Também deve-se considerar que, outro conjunto de características da cultura chinesa que hoje encontramos entre povos distantes, no passado, poderiam ser simplesmente parte da herança comum dos povos que viviam perto. Porque essa cultura majoritária Han formou-se como uma fusão das culturas do norte (que sem dúvida têm semelhanças com os antepassados dos povos manchúes e mongóis), do oeste (relacionado aos povos Qiang e proto tibeto-birmanese) e do sul (em uma margem do Yangtze, outrora lar dos antepassados dos povos Zhuang Dong e Miao Yao).

      Essa relação entre a cultura chinesa e a das minorias, nos permite afirmar que, ao apresentar esses mitos e contos ao leitor ocidental, não só lhe damos o conhecimento da literatura e pensamento dos povos situados na periferia dos processos culturais, mas também contribuímos para fomentar o debate sobre a existência de um estado matriarcal nas sociedades primitivas da China, bem como a forma como ele desapareceu; e com isso, oferecemos novos materiais para debater sobre a possibilidade de que as sociedades matriarcais tenham existido de forma generalizada, antes do estabelecimento dos modelos de dominação masculina.

      4. A utilidade dos mitos para descobrir os valores predominantes em uma sociedade.

      Sob o termo “mitologia” incluimos uma das mais variadas produções do intelecto humano, caracterizada pela forma como define a concepção que uma sociedade tem de si mesma. Como muitos autores têm destacado, os mitos podem ter uma origem muito distinta: desde o endeusamento de personagens históricos, como apontado por Evhemero17 há muitos séculos atrás, a personificação de fenômenos solares, a expressão de experiências psicológicas, a representação das fases evolutivas das pessoas, a idealização dos processos históricos e muito mais. O mais importante não é a sua origem, mas a sua função socializadora que os transforma em adaptadores das pessoas à sociedade em que vivem.

      Cito somente alguns autores que se dedicaram a estudar esse assunto, seguindo Juan Carlos Ochoa Abaurre em sua tese de doutorado18: “O mito configurou um modelo de comportamento que regulou a interação social, a forma de conhecimento do mundo e do além”; Creuze afirmava que o mito contém uma “misteriosa” verdade que abriga formas simbólicas de pensamento “natural”; “Von Schelling considerou...o mito como uma realidade que incide (e deve incidir) sempre e de maneira positiva no presente”; “Malinowski... interpretou o mito... como: “histórias que afetam decisivamente toda a sociedade”.

      Ainda que normalmente vejamos a palavra “mito” associada ao estudo das culturas distantes no tempo e no espaço, diversos autores, entre eles Barthes19, apontaram a importância do mito na formação do suporte ideológico das sociedades modernas. Outros pensadores apontaram a influência do mito na formação de determinadas sociedades e culturas, de tal forma que, podemos afirmar que, qualquer que seja a sua origem e seu verdadeiro significado os mitos marcam e modelam as ideias e comportamentos da sociedade.

      É difícil pensar que em uma sociedade onde, em cada uma das cerimônias mais profundas, se escute sobre a bondade de alguns deuses masculinos e a maldade de algumas divindades femininas, as mulheres possam alcançar um papel igualitário. Igualmente, é difícil imaginar que em outra, onde o louvor às deusas e às mulheres ancestrais estavam na ordem do dia, as mulheres tenham sofrido uma grande discriminação. A esse respeito disse Engels: “O papel da mulher nos mitos demonstra que nos tempos antigos a mulher gozava de maior liberdade e recebia mais respeito.”

      De fato, o estudo dos mitos e culturas das minorias na China não deixa dúvidas sobre essas afirmações. Os trabalhos de Du Shanshan20, por exemplo, nos mostram que entre os Lahu, com sua manifesta igualdade, a criação é um trabalho de duas divindades, uma masculina e outra feminina. No entanto, também vemos no trabalho dessa outra autora que, de acordo com a própria sociedade Lahu, as mulheres estão perdendo a sua importância devido a influência da cultura chinesa, suas divindades criadoras estão se transformando em um só deus masculino, com o nome ainda composto, que prepara psicologicamente para futuras transformações.

      Entre os Moso, onde a mulher ainda conserva um papel importante na vida social, descobrimos que sua divindade principal é uma deusa, Gemu. Outro conjunto de deusas governam as montanhas e as águas, monopolizando, como é natural, seu fervor religioso.

      Ao apresentar aqui uma seleção de mitos nos quais a divindade feminina atua como protagonista, não podemos assegurar que todos esses povos adoraram uma grande deusa na antiguidade; e nem sequer, nos casos em que esse culto à deusa foi demonstrado, pode-se assumir que se tratava de sociedades matriarcais. No entanto, o conhecimento deles, dos rituais que estavam associados, e das culturas em que estão enquadrados, obviamente fornece diversos materiais para um debate posterior.

      5. O valor dessa obra

      Nesse livro incluímos mitos de povos que pertencem a cada um dos oito grupos etno-linguísticos mencionados antes, portanto, se não podemos demonstrar a universalidade do papel assumido pela deusa entre os povos da China, ao menos podemos demonstrar que em todos eles existiram deusas que, em determinado momento da sua história, desempenharam um papel relevante em seu universo mental. É possível perceber isso de imediato ao ler essa relação dos mitos apresentados nessa obra, classificados de acordo com os grupos etno-linguísticos e povos aos quais pertencem.

Grupo linguístico Povo Mito
Sínico chinês chinês chinês Nuwa cria a espécie humana. O fim da era dourada das mulheres. A princesa Pargo Vermelha
Zhuang-Dong Zhuang Shui Dong Dai Dai Dai Dai Miluojia. A deusa criadora dos Zhuang. A deusa Yaxian cria a humanidade. A deusa Shatianba cria o mundo A Mulher Pássaro. A Mulher Elefante. A Mulher Dragão. A Deusa do Arroz.
Sino tibetano Jino Jino Hani Hani Nu Jingpo Yi Yi Yi Yi Pumi Pumi

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