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fez em tempos?", perguntou Duncan.

      Enis sorriu largamente, resoluto.

      "Eu sei que vão", disse ele.

      Ele inclinou-se de perto, tão perto que Duncan podia sentir o seu mau hálito.

      "Repara, eu fiz um negócio com eles. Um negócio muito especial para garantir o meu poder, um negócio que era demais para eles recusarem".

      Duncan não se atreveu a perguntar o que era, mas Enis sorriu largamente e inclinou-se.

      "A tua filha", ele sussurrou.

      Os olhos de Duncan arregalaram-se.

      "Achas realmente que conseguias esconder-me o paradeiro dela?", pressionou Enis. "Enquanto falamos, os Pandesianos estão a apertar o cerco sobre ela. E esse presente vai cimentar o meu lugar no poder".

      As correntes de Duncan chocalharam, com o barulho a ecoar por toda a masmorra, enquanto ele lutava com todas as forças que tinha para se libertar e atacar, num desespero para além do que conseguia suportar.

      "Porque vieste?", perguntou Duncan, sentindo-se muito mais velho, com a voz debilitada. "O que é que queres de mim?"

      Enis sorriu ironicamente. Ele ficou em silêncio por um longo período e, finalmente, suspirou.

      "Creio que o meu pai queria algo de ti", disse ele lentamente. "Ele não te teria convocado, não teria intermediado aquele acordo, a menos que quisesse. Ele ofereceu-te uma grande vitória com os Pandesianos – e, em troca, ele teria pedido algo. O quê? O que era? Que segredo é que ele escondia?"

      Duncan olhou para ele, resoluto, não se importando mais.

      "O teu pai queria alguma coisa", disse ele, criando atrito. "Algo honroso e sagrado. Algo que ele apenas podia confiar a mim. Não ao seu próprio filho. Agora eu sei porquê."

      Enis riu-se sarcasticamente, corando.

      "Se os meus homens morreram por nada", Duncan continuou, "foi por essa questão de honra e de confiança – uma que eu nunca iria quebrar. É por isso que nunca saberás."

      Enis enfureceu-se e Duncan teve o prazer de vê-lo enraivecido.

      "Guardarias ainda assim os segredos do meu falecido pai, o homem que te traiu a ti e a todos os teus homens?"

      "Tu é que me traíste, não ele", Duncan corrigiu, "Ele era um bom homem que uma vez cometeu um erro. Tu, por outro lado, és um nada. Tu és apenas uma sombra do teu pai."

      Enis ficou carrancudo. Ele lentamente levantou-se, em toda a sua estatura, inclinou-se e cuspiu ao lado de Duncan.

      "Vais dizer-me o que ele queria", ele insistiu. "O quê – ou quem – ele estava a tentar esconder. Se o fizeres, eu posso ser misericordioso e libertar-te. Se não, não só te acompanho, eu próprio, até à forca, como garanto que morres da forma mais macabra que se possa imaginar. A escolha é tua e não há como voltar atrás. Pensa bem, Duncan."

      Enis virou-se para sair, mas Duncan gritou.

      "Podes ter a minha resposta agora, se quiseres", respondeu Duncan.

      Enis virou-se com um olhar de satisfação no rosto.

      "Eu escolho a morte", respondeu ele e, pela primeira vez, conseguiu sorrir. "Afinal, a morte não é nada comparada com a honra."

      CAPÍTULO DOIS

      Dierdre, que limpava o suor da testa ao labutar na forja, sentou-se, de repente, sacudida por um barulho estrondoso. Era um ruído distinto, que a colocou de alerta, um barulho que subiu acima do ruído de todos os martelos que martelavam as bigornas. Todos os homens e mulheres ao redor dela pararam, também, pousaram as armas inacabadas e olharam lá para fora, intrigados.

      Aconteceu novamente, soando como um trovão rolando ao vento, soando como se a própria estrutura da terra estivesse a ser dilacerada.

      E novamente.

      Finalmente, Dierdre percebeu: sinos de ferro. Eles estavam a badalar, aterrorizando-a com as batidas consecutivas que ecoavam por toda a cidade. Eram sinos de alerta, de perigo. Sinos de guerra.

      Simultaneamente o povo de Ur, ansioso por ver, saltou das suas mesas e correu para fora da forja. Dierdre foi a primeira, acompanhada pelas suas miúdas e por Marco e seus amigos. Todos irromperam para as ruas, inundadas por cidadãos preocupados, reunindo-se na direção dos canais para obter uma melhor visão. Dierdre olhava para todo o lado à procura, esperando, com aqueles sinos, ver a sua cidade invadida por navios, por soldados. No entanto, não viu nada.

      Intrigada, ela dirigiu-se para as enormes torres de vigia empoleiradas na borda do Arrependimento, querendo ter uma visão melhor.

      "Dierdre!"

      Ela virou-se e viu o seu pai e os seus homens, todos também a correr para as torres de vigia, ansiosos por obter uma vista desafogada para o mar. Todas as quatro torres tocaram freneticamente, algo que nunca tinha acontecido, como se a própria morte se estivesse a aproximar da cidade.

      Dierdre juntou-se ao seu pai e começaram a correr, virando pelas ruas abaixo e subindo uma escadaria de pedra, até finalmente chegarem ao topo da muralha da cidade, à beira do mar. Ela parou ali, ao lado dele, atordoada com a visão diante dela.

      Era como se o seu pior pesadelo tivesse ganho vida, algo que ela desejava nunca ter visto na sua vida: todo o mar, todo o caminho até ao horizonte, estava preenchido de preto. Os navios negros da Pandesia, tão próximos uns dos outros que cobriam a água, pareciam cobrir o mundo inteiro. Pior de tudo, todos se dirigiam numa força singular para a sua cidade.

      Dierdre ficou congelada, olhando para a morte que aí vinha. Não havia nenhuma maneira de eles se conseguirem defender contra uma frota daquele tamanho, não com as suas correntes inadequadas e não com suas espadas. Quando os primeiros navios atingissem os canais, eles podiam entravá-los, talvez, atrasá-los. Podiam, talvez, matar centenas ou mesmo milhares de soldados.

      Mas não os milhões que ela via à sua frente.

      Dierdre sentiu-se dilacerada ao olhar para o seu pai e para os soldados dele e ver o mesmo pânico silencioso nos seus rostos. O seu pai olhou de uma forma corajosa para os seus homens, mas ela conhecia-o. Ela podia ver o fatalismo nos seus olhos, podia ver a luz a desvanecer-se a partir deles. Todos eles, claramente, estavam a olhar para as suas mortes, no final da sua grande e antiga cidade.

      Ao lado dela, Marco e os seus amigos olhavam aterrorizados, mas também com determinação. Nenhum deles, para seu crédito, se virou e fugiu. Ela procurou no mar de rostos por Alec, mas estava intrigada por não encontrá-lo em lado nenhum. Questionava-se onde ele poderia ter ido. De certeza que ele não tinha fugido?

      Dierdre manteve-se firme e agarrou com força a sua espada. Ela sabia que a morte estava a chegar – só não esperava que fosse tão cedo. Ela, porém, já tinha terminado de fugir de quem quer que fosse.

      O seu pai virou-se para ela e agarrou-a pelos ombros com urgência.

      "Tens de deixar a cidade", ele exigiu.

      Dierdre viu o amor paterno nos seus olhos e isso emocionou-a.

      "Os meus homens vão escoltar-te", acrescentou. "Eles podem levar-te para longe daqui. Vai agora! E lembra-te de mim."

      Dierdre enxugou uma lágrima quando viu o seu pai a olhar para ela com tanto amor. Ela sacudiu a cabeça e afastou as mãos dele.

      "Não pai", disse ela. "Esta é a minha cidade e eu vou morrer a teu…"

      Antes que ela conseguisse terminar as suas palavras, uma horrível explosão cortou o ar. Ao princípio ela ficou confusa, pensando que era outro sino, mas depois apercebeu-se – era fogo de canhão. Não apenas de um canhão, mas de centenas deles.

      As ondas de choque, por si só, fizeram com que Dierdre se desequilibrasse, atravessando a atmosfera com tal força, que ela sentiu como se os seus ouvidos tivessem ficado divididos em dois. Depois ouviu-se o apito estridente das balas de canhão e, ao olhar para o mar, ela sentiu uma onda de pânico ao ver centenas de balas de canhão maciças, como caldeirões de ferro no céu, arqueando lá no alto e indo diretas para

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