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tóvão Falcão de Sousa

      CRISFAL

      I

      Antre Sintra, a mui prezada,

      e serra de Ribatejo

      que Arrábeda é chamada,

      perto donde o rio Tejo

      se mete n’água salgada,

      houve um pastor e pastora,

      que com tanto amor se amarom

      como males lhe causarom

      este bem, que nunca fora,

      pois foi o que não cuidarom.

      II

      A ela chamavam Maria

      e ao pastor Crisfal,

      ao qual, de dia em dia,

      o bem se tornou em mal,

      que ele tam mal merecia.

      Sendo de pouca idade,

      não se ver tanto sentiam,

      que o dia que não se viam,

      se viam na saudade

      o que ambos se queriam.

      III

      Alg.as horas falavam,

      andando o gado pascendo,

      e então se apascentavam

      os olhos, que, em se vendo,

      mais famintos lhe ficavam.

      E com quanto era Maria piquena, tinha cuidado

      de guardar milhor o gado

      o que lhe Crisfal dezia;

      mas, em fim, foi mal guardado;

      IV

      Que, depois de assi viver

      nesta vida e neste amor,

      depois de alcançado ter

      maior bem pera mor dor,

      em fim se houve de saber

      por Joana, outra pastora,

      que a Crisfal queria bem;

      (mas o bem que de tal vem

      não ser bem maior bem fora,

      por não ser mal a ninguém).

      V

      A qual, logo aquele dia

      que soube de seus amores,

      aos parentes de Maria

      fez certos e sabedores

      de tudo quanto sabia.

      Crisfal não era então

      dos bens do mundo abastado

      tanto como do cuidado;

      que, por curar da paixão,

      não curava do seu gado.

      VI

      E como em a baixeza

      do sangue q e pensamento

      é certa esta certeza —

      cuidar que o mericimento

      está só em ter riqueza —

      enquerirom que teria[m]

      e do amor não curarom;

      em que bem se descontarom

      riquezas, se faleciam,

      por males que sobejarom.

      VII

      Então, descontentes disto,

      levarom-na a longes terras,

      esconderom-na entre .as serras,

      onde o sol não era visto,

      e a Crisfal deixarom guerras.

      Além da dor principal,

      pera mor pena lhe dar,

      puserom-na em lugar

      mau para dizer seu mal,

      mas bom pera o chorar.

      VIII

      Ali os dias passava em mágoas, da alma saídas,

      dizer a quem longe estava,

      e chorava por perdidas

      as horas que não chorava.

      Em vale mui solitário e

      sombrio e saudoso,

      send’o monte temeroso,

      pera o choro necessário,

      pera a vida mui danoso,

      IX

      Dizer o que ele sentia,

      em que queira, não me atrevo,

      nem o chorar que fazia;

      mas as palavras que escrevo

      são as que ele dezia.

      Ali sobre .a ribeira

      de mui alta penedia,

      donde a água d’alto caía,

      dizendo desta maneira

      estava a noite e o dia:

      X

      “Os tempos mudam ventura

      bem o sei, pelo passar;

      mas, por minha gram tristura,

      nenhuns puderam mudar

      a minha desaventura.

      Não mudam tempos nem anos

      ao triste a tristeza;

      antes tenho por certeza

      que o longo uso dos danos

      se converte em natureza.

      XI

      Coitado de mim, cuitado,

      pois meu mal não se amansa

      com choro nem com cuidado!

      Quem diz que o chorar descansa

      é de ter pouco chorado;

      que, quando as lágrimas são

      por igual da causa delas,

      virá descanso por elas;

      mas como descansar hão,

      pois que são mais as querelas?

      XII

      Com tudo, olhos de quem

      não vive fazendo al,

      chorai mais que os de ninguém,

      que o que é para maior mal

      tenho já para maior bem.

      Lágrimas, manso e manso,

      prossigam em seu ofício:

      que não façam benefício:

      não servindo de descanso,

      servirão de sacrefício.

      XIII

      Minhas lágrimas cansadas,

      sem descanso nem folgança,

      a minha triste lembrança

      vos tem tam aviventadas

      como morta a esperança.

      Correi de toda vontade,

      que esta vos não faltará.

      Mas isto como será?

      Pedi-la-ei à saudade,

      e

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